domingo, 4 de janeiro de 2009

Como cães e gatos - 2

2: O homem sem face

“Olha, mãe, uma múmia!”, apontou um garotinho com menos de dez anos.

“Pare com isso, menino! Já te disse que é feio apontar para os outros!”, repreendeu a mãe da criança. “Desculpe, senhor”, continuou ela em uma voz sem graça para o estranho na fila do terminal de ônibus. “Crianças! Não medem as palavras...”

“Tudo bem”, resmungou o homem, de rosto e mãos enfaixadas. “Apenas afaste-o de mim, ok?”

A mulher olhou para o homem com indignação, mas ele não lhe deu mais atenção. Apenas se virou para o lado e olhou os itinerários de viagem. Precisava sair da cidade o quanto antes. Não se atrevia a ficar em Ilumina nem um segundo a mais. Não depois de tudo que aconteceu. Dos horrores que viveu.

Os ferimentos nas mãos, no rosto e no peito diziam para Zé Maria que não tinha ficado louco. Que o amigo que matou tinha voltado da terra dos pés juntos como uma criatura saída do inferno. As palavras de Gatuno ainda reverberavam em sua mente como um alerta ameaçador. Não me deixe vê-lo nas minhas ruas novamente, verme, ele havia dito. Ou não ficarei contente apenas em arranhá-lo um pouco...

Os nervos de Zé Maria estavam à flor da pele. Ele olhava sobre os ombros de minuto a minuto. Como se esperasse ver o homem com cabeça de tigre sair de um canto escuro a qualquer momento. Tudo que queria era pegar o primeiro ônibus para fora da cidade. Depois pensaria no que fazer com o restante da vida.

A mulher no balcão tinha um olhar entediado e cansado.

“Para onde?”, perguntou ela.

Zé Maria abriu a boca para responder quando uma mão caiu sobre seu ombro.

“AAAAHHHH!!!”, gritou ele esperando ser despedaçado pelo monstro de seus pesadelos.

Mas, ao invés de um homem com cara de tigre, um sujeito de aparência selvagem o segurava pelo ombro com força. Ele tinha cabelos negros e usava um sobretudo.

“Acalme-se, Jorge! Quer assustar os outros na fila?”, perguntou o estranho amigavelmente.

Zé Maria não sabia o que responder. Não conhecia o homem e não fazia idéia do que estava falando.

Um policial militar se aproximou dos dois.

“Algum problema aí?”, perguntou o oficial com a mão nervosa sobre o revólver.

“Problema nenhum, seu guarda. Meu nome é Cedric Lobato. Sou detetive particular e fui contratado para encontrar meu amigo Jorge aqui, que fugiu do manicômio na semana passada...”

“È mentira! Nunca vi esse homem na vida antes! Acredite em mim, seu guarda! Acho que esse homem quer me matar!”

A pressão no braço de Zé Maria aumentou consideravelmente. Ele gemeu de dor.

“Desculpe, seu guarda”, disse o homem de sobretudo com um sorriso amigável. “Nosso caro Jorge perde a noção da realidade quando se esquece de tomar seu remédio! Aqui!”, continuou mostrando um pote alaranjado cheio de comprimidos para o policial. “Ele só precisa tomar dois desses para ficar calmo com uma ovelha...”

“Agora, espere um minuto, senhor”, interrompeu o guarda prestes a tirar o revólver do coldre. “Como vou saber se você está falando a verdade?”

O homem de sobretudo lançou um olhar furioso para Zé Maria, que sentiu um calafrio percorrer pela espinha.

“Você vai se comportar se eu te soltar, Jorge?”, falou com uma voz amigável. Os olhos frios a cravejarem Zé Maria com mensagens subliminares. “Não vai tentar fugir, vai? Eu só preciso de um minuto para esclarecer a situação com nosso amigo da polícia, ok?”, continuou como se falasse com uma criança.

Zé Maria assentiu com a cabeça, sem dizer uma palavra, preenchido pelo medo. Os dedos do homem soltaram seu ombro dolorido. Ele se virou para o policial e Zé Maria percebeu que a frieza que guardava no olhar tinha mudado subitamente.

“Minhas credenciais...”, disse o homem de sobretudo entregando a carteira de detetive para o policial juntamente com um cartão onde estavam o nome de uma mulher e um telefone. “E esse é o nome da minha cliente. A esposa de Jorge. Se quiser, pode ligar para ela e confirmar toda minha história...”

Zé Maria olhou para os lados em busca de uma saída. Pensava em correr. Mas a mão do estranho o agarrou pelo colarinho da camisa enquanto o policial analisava os documentos. Estava preso.

“Isso não vai ser necessário”, respondeu o guarda tirando a mão do revólver e colocando-a no cinto, mais relaxado. “Ele não é perigoso, é?”

“Ele não machucaria uma mosca, seu guarda”, garantiu o homem de sobretudo com o sorriso mais simpático do mundo.

“Tudo bem então. Desculpe pelo incômodo.”

“Incômodo nenhum, seu guarda. Bom trabalho para você!”

“Para você também”, concluiu o policial dando as costas para a dupla. Zé Maria não parava de balançar a cabeça negativamente.

O homem de sobretudo se virou para o homem enfaixado que segurava firmemente. Ainda sorria, mas seus olhos readquiriram a aparência ameaçadora.

“Isso não foi muito esperto da sua parte, colega”, sussurrou para Zé Maria enquanto o retirava do meio da multidão, que tinha parado para assistir ao espetáculo. “Eu sei quem você é e onde esteve no último sábado!”

Zé Maria quase tropeçou, mas o homem de sobretudo não deixou. Ele o arrastava para fora da Rodoviária.

“Pelo estado em que seu amigo o deixou, eu diria que os negócios não saíram exatamente como o planejado, não é mesmo?”

Zé Maria balançou a cabeça negativamente. O homem de sobretudo o levava rumo um Maverick reformado com rodas grossas e pesadas. O carro tinha uma aparência imponente. Como se fosse capaz de atravessar uma parede de tijolos sem sequer arranhar a pintura.

“Entre”, ordenou o estranho.

Não havia opção. Zé Maria obedeceu e assistiu enquanto o estranho deu a volta no veículo e sentou no banco do motorista. Zé Maria tremia mais do que vara verde.

“C-co... como me encontrou?”, teve coragem de perguntar enfim.

“Está brincando?”, respondeu o homem. “Você não toma um banho desde sábado e ainda quer saber como te achei? Daria para sentir teu cheiro da China, colega! Já o teu amigo...”

“Que amigo?”

“O cara que fez isso na tua cara! Esse vai dar trabalho para encontrar, já que o cheiro dele parece mais a lembrança de um odor. A não ser, é claro, que você esteja disposto a me dar uma mãozinha...”

Então o medo de Zé Maria desapareceu por completo. Ele encarou o homem de sobretudo e reconheceu nele alguém tão ou mais forte que a criatura saída do pesadelo que o desfigurou. Não teve sucesso em matar João dos Santos quando teve a chance. Mas, talvez, o homem de sobretudo pudesse sair vitorioso da tarefa na qual ele tinha falhado.

Nota do autor: Após um breve recesso de fim de ano, estamos de volta para mais um capítulo do Gatuno! Espero que vocês curtam as novas aventuras assim como os novos personagens que passarão a surgir a partir de agora! Desejo a todos que aqui passarem um feliz ano novo! E fiquem agora com a prévia do próximo capítulo: João vai afogar as mágoas em um bar sem desconfiar que está sendo procurado! E Zé Maria mostra que está mais do que disposto a ajudar o detetive Cedric a colocar as mãos nos pescoços do Gatuno! Tudo isso e mais na próxima sexta-feira (para acertar os ponteiros)!!

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