quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Como cães e gatos - 5

5: Confronto

Primeiro, Gatuno se curvou e sentiu os pêlos nas costas se eriçarem diante da ameaça. A vontade que tinha era de sair dali o quanto antes, encontrar um lugar seguro e escapar da monstruosidade que se avolumava à sua frente. Isso era o que seus instintos humanos lhe diziam. Mas o lado animal insistia em permanecer onde estava, desafiador. Era esse lado que interessava a Cedric, o lobisomem, que não parava de fazer provocações e o chamar para briga.

“Perdeu a coragem, bichano?”

“Pare de me chamar dessa maneira!”, rosnou Gatuno circulando o adversário em busca de pontos fracos.

“Me faça parar!”, respondeu Cedric saltando para cima do oponente.

Gatuno escapou do ataque com facilidade. O lobisomem, por sua vez, não conseguiu parar e destruiu parte da porta de acesso ao telhado com a investida. Gatuno aproveitou a oportunidade para usar as garras e rasgar as costas do inimigo. Cedric urrou de dor e tentou contra-atacar, sem sucesso. Gatuno já estava longe dali, em cima de uma chaminé, com as garras sujas de sangue.

“Primeiro golpe”, provocou Gatuno dessa vez.

“Golpe de sorte! Não passou disso!”

“Perdendo a coragem, lobinho?”

Cedric estava se divertindo. Era mais velho e mais experiente que o inimigo. Não cairia em nenhuma armadilha construídas com palavras. Esse truque era dele e sabia aplicá-lo em todas as condições possíveis e imagináveis. Resolveu fazer o jogo de Gatuno. Fez uma cara de raiva convincente e fingiu que os ferimentos eram mais graves do que eram. Não tinham passado de arranhões, mas Cedric agia como se tivesse sido trespassado por uma espada.

“Pode sorrir agora...”, continuou Cedric. “Mas duvido que consiga fazer isso novamente!”

O lobisomem saltou outra vez. Como antes, Gatuno fugiu com um salto maior e mais veloz que o do lobo. Era fácil demais. Apesar de mais forte, o inimigo era lento. Não tinha a mesma agilidade nem o mesmo jogo de cintura. Bastava manter distância dos dentes da criatura para ficar seguro. E aproveitar as aberturas fornecidas pelos ataques desajeitados para contra-atacar.

Uma situação como a que se abria perante seus olhos. O lobisomem arrebentou um emaranhado de antenas e não viu onde o inimigo tinha parado. Os instintos de Gatuno lhe diziam para se manter onde estava. Mas o sucesso do primeiro ataque e a oportunidade de esfregar uma vitória na cara do detetive convencido falaram mais alto ao seu lado humano. Gatuno saltou para as costas da criatura, pronto para atacá-lo com as garras novamente.

No entanto, o lobisomem estava preparado dessa vez. Ele se virou rapidamente assim que sentiu o movimento do inimigo e acertou Gatuno em pleno ar com um golpe devastador. Um golpe tão forte que lançou Gatuno aos céus e fez com que batesse na lateral de outro prédio. O som de uma costela se partindo ressoou na mente de João, que não pode dar atenção à dor que lhe atacava o abdômen pois percebeu que estava em queda livre.

Instintivamente, o lado animal assumiu o controle e fez com que caísse de pé e sem maiores ferimentos na calçada. Outra porrada dessas e eu já era, pensou João analisando os ferimentos.

O som de algo pesado batendo contra o chão o trouxe de volta à realidade. O lobisomem aterrissou do outro lado da rua.

“Pronto pra outra, bichano?”

Gatuno não respondeu. Entendeu que tinha caído num truque e não gostava disso. Se quisesse vencer o adversário, teria que pensar mais rápido que ele. Mas Cedric não estava disposto a lhe dar tempo para pensar. O lobisomem arrancou um poste de luz e o usou para tentar acertar o inimigo. Gatuno conseguiu se desviar do golpe, que rachou a calçada no meio.

“Mas que diabos?”, perguntou um traficante em um beco próximo.

Ao que parecia, a luta das duas criaturas estava atraindo atenção inesperada. O traficante assustado sacou uma arma e atirou contra o lobisomem, que usou o poste para se proteger dos tiros. Em seguida, o monstro rosnou para o humano, que largou a arma e fugiu beco adentro gritando de medo.

“Onde estávamos?”, perguntou Cedric, se voltando para Gatuno.

Gatuno não lhe dava atenção. Ele viu o revólver caído no chão e pensou que talvez, apenas talvez, tivesse uma chance contra o monstro que o atacava. João não gostava de armas. Mas a situação atual não lhe dava muitas opções. Ele agarrou o revólver e apontou para o lobisomem, que parou no meio da rua, com uma expressão surpresa.

“É brincadeira?”

Gatuno puxou o gatilho. Uma bala acertou o lobisomem no ombro esquerdo e ele largou o poste de luz que carregava como um tacape. O monstro olhou para o sangue derramado e de volta para Gatuno com olhos suplicantes.

“Não...”

“Tarde demais para implorar, criatura”, respondeu Gatuno e atirou novamente.

O segundo tiro acertou o lobisomem no ombro direito. Gatuno apertou o gatilho mais três vezes. Ele acertou os joelhos e o abdômen do inimigo. Só queria incapacitar o homem-lobo. Imaginou que, se acertasse as balas em qualquer lugar que não a cabeça, os músculos desenvolvidos da criatura evitariam ferimentos mais graves. Por isso, se surpreendeu quando o lobisomem caiu de cara no chão, aparentemente sem vida.

“Cedric?”, perguntou Gatuno baixando a arma.

O lobisomem não respondeu. Ele não se mexia nem parecia respirar.

“Cedric!”, chamou Gatuno largando a arma e correndo na direção do inimigo.

Não tinha a intenção de matar. Não queria se tornar um assassino. Abominava a violência, na verdade. Gatuno se ajoelhou ao lado do corpo do monstro derrubado.

“Idiota!”, disse o lobisomem agarrando o braço de Gatuno. “Nunca leu histórias de lobisomens? Só balas de prata nos ferem!”

Outra armadilha! Tinha caído em mais uma maldita armadilha!

Gatuno rosnou e tentou se livrar do abraço mortal com chutes e arranhões. Mas o inimigo apenas ria. O lobisomem deu um tapa humilhante no rosto de Gatuno. A força fez com que a visão de João se turvasse por um segundo.

“Não devia ter me provocado, garoto”, falou o lobisomem com as presas próxima do rosto inimigo. “Teria sido mais fácil se não tivesse me provocado...”

Gatuno podia sentir o bafo asqueroso da criatura. Os olhos do lobisomem transpareciam uma selvageria animal. Não havia quase nada de humano naquele olhar, que parecia considerar se deveria devorá-lo ou não. Gatuno não esperou que o homem-lobo concluísse o pensamento. Usou as garras uma vez mais para tentar um golpe mais drástico. Atacou o pescoço do lobisomem, que afastou o rosto. Mas não o largou. Os olhos do monstro encararam Gatuno com ódio. Ele rosnou.

Em seguida, desferiu vários socos contra o homem-gato. Acertou a barriga, as costelas, os braços e o rosto. Deu vários socos no rosto. Gatuno tentava reagir, mas tinha um braço preso e faltava-lhe forças. Enfim, o lobisomem o levantou sobre a cabeça e o jogou contra uma parede. Dessa vez, Gatuno não caiu de pé, mas sim de cara no chão. E assim permaneceu, visto que a consciência tinha abandonado seu corpo.

Cedric retornou à forma humana enquanto atravessava a rua. Colocou a mão em um dos bolsos e retirou um cigarro, o acendeu e tragou profundamente. Não escutava uma sirene sequer no ar, mas era óbvio que a briguinha dos dois tinha atraído a atenção dos moradores da vizinhança. No entanto, ali era o distrito dos Afogados, um local temido até mesmo pelas autoridades locais. E quem iria acreditar na história de uma briga de monstros em plena rua. O detetive sorriu e se agachou.

Calmamente, retirou o amuleto do desmaiado Gatuno. Imediatamente, o corpo passou por uma transformação e voltou a ser João dos Santos. Cedric percebeu que os ferimentos tinham desaparecido após a mudança. Pensou no trabalho que o jovem lhe dera e no potencial que tinha. Então suspirou e se levantou novamente.

“Hora de entregá-lo aos leões, meu caro...”

Fim do episódio

A seguir: Gatuno sofreu sua primeira derrota e chegou a hora de pagar o preço por seus erros! Esteja aqui em uma semana para testemunhar o encontro de João com o misterioso Colecionador no início de uma nova aventura intitulada "O roubo do livro dos Segredos"!

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