quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O retorno da magia - 1

1: Os truques do Corvo Negro

Há muito tempo, um bruxo mais poderoso do que ele o nomeou como Corvo Negro. Na época, não passava de um adolescente louco para conhecer os segredos da magia negra. Séculos se passaram desde então. Ele cresceu, ficou mais poderoso que seu mestre, e viu o mundo mudar diante de seus olhos.

As criaturas mágicas de outrora encontraram seu fim com o surgimento de uma nova magia mais poderosa e influente do que a delas. Uma magia que o homem nomeou de ciência, e que estendeu seus tentáculos através de todo globo. Não demorou para a razão tomar o lugar do sobrenatural. E, durante muito tempo, o Corvo Negro pensou que assistia o fim de tudo que lhe era mais precioso.

Mas ele foi um dos poucos que sobreviveu à diáspora. Seu mestre caiu. Outros seres mais poderosos que ele também. Seus poderes ficaram mais fracos, ele envelheceu, mas manteve uma antiga fagulha dos velhos tempos viva em seu peito. Uma fagulha mantida por um pacto feito séculos atrás. Após tanto tempo, ele pensou que nada mais pudesse impressioná-lo. Até o surgimento de um homem tocado e abençoado pelos deuses. Um homem chamado Gatuno que, naquele momento, se livrava dos grilhões que o prendiam e exalava selvageria.

“Hora de pagar os pecados, meu velho”, grunhiu a criatura de aspecto felino diante dele..

O Corvo Negro gritou. Não estava preparado para aquilo. A transformação o pegara de surpresa. Se ao menos tivesse um momento para conjurar um feitiço...

Gatuno avançou, garra elevada sobre a cabeça, preparada para desferir um golpe mortal. Mas parou na metade do caminho ao mesmo tempo em que o outro prisioneiro, um homem com as faces envoltas em bandagens, gritou. Gatuno olhou para o punho e viu o bracelete dourado reluzir. E viu mais. Viu uma fina corrente invisível que o unia ao outro prisioneiro.

“Algemas mágicas”, murmurou Gatuno para o ar.

Era o momento que o Corvo Negro precisava. Rápido como uma cobra, ele saiu da linha de ataque da criatura e conjurou um feitiço o mais rápido que conseguiu.

“Você não escapará de mim tão facilmente velho”, avisou Gatuno ao perceber as intenções sombrias do oponente. “Me livrar desses grilhões levará apenas um segundo...”

“Um segundo é tudo do que preciso, tolo”, respondeu o Corvo Negro.

Gatuno arrancou o bracelete com a mão livre. Zé Maria gritou de dor, como se o golpe tivesse rasgado sua própria carne, e desmaiou. O homem felino não pareceu registrar a dor do prisioneiro. Tinha a atenção totalmente voltada para uma criatura feita de gás verde fosforescente que entrou no recinto. Seu lado humano lembrou-se do encontro com a criatura misteriosa antes. O mago queria nocauteá-lo.

“Isso não vai funcionar dessa vez”, alertou Gatuno.

Mesmo assim, a criatura investiu contra ele. O gás o cercando por completo até que Gatuno desaparecesse dentro da nuvem esverdeada. O Corvo Negro assistia ao espetáculo escondido atrás de uma pedra. Fazia tempo que não via um espécime mágico tão magnífico. Apesar do medo de encontrar o fim nas mãos da criatura, se perguntou qual seria o significado de sua vinda. O que isso representava para a magia na Terra. E também torcia para que seu servo gasoso conseguisse deter o inimigo.

Mas então, a fumaça esverdeada que envolvia Gatuno começou a desaparecer. A princípio, o Corvo Negro não entendeu o que estava acontecendo. Então percebeu que a criatura estava aspirando todo o ser gasoso para dentro de si e prendendo-o nos pulmões.

Quando a tarefa estava completa, Gatuno estudou o ambiente de peito estufado em busca de algo. O mago não demorou para perceber a intenção da criatura.

“Não!”, gritou em desespero.

Mas era tarde demais. Gatuno soprou a criatura gasosa presa nos pulmões para as chamas que ardiam em um suporte de aço. O contato da fumaça verde com o fogo causou uma reação explosiva. A criatura literalmente foi feita em milhares de pedaços flamejantes que se espalharam pelo calabouço, atando fogo a tudo inflamável que tocava.

Apesar do barulho e da onda de choque provocada pela explosão, Gatuno se mantinha firme no centro do calabouço, desafiador. Ele se virou novamente para o mago.

“Isso é o melhor que tem a oferecer, velho?”

“Maldito demônio”, xingou Corvo Negro, levantando-se. “Posso estar velho, mas ainda tenho algumas cartas nas mangas!”

“Isso é o que vamos ver”, gritou Gatuno saltando para cima do inimigo.

Ele caiu sobre o Corvo Negro como um tigre faminto. Mas suas garras rasgaram apenas o tecido negro do manto que o mago usava. No último momento possível, o velho desapareceu em pleno ar e, no seu lugar, uma ave negra alçou vôo.

“Eu sabia!”, clamou o corvo pousando sobre uma viga intocada pelo fogo. “Eu sabia! A velha magia voltou! Agora que sei disso, posso sentir o poder queimar dentro de mim novamente! A fagulha se acendeu! Ainda estou fraco, mas logo voltarei à velha forma! Não sei o motivo disso, mas também não interessa! É hora de pagar pelo que me fez, criatura!”

“Palavras”, rugiu Gatuno jogando o manto rasgado do mago sobre o fogo que queimava uma mesa, alimentando-o. “Para mim você não passa de um pássaro! E você sabe o que os gatos fazem com pássaros...”

“Para isso, você tem que me pegar primeiro!”

Gatuno rugiu e saltou para cima da viga. O corvo alçou vôo e escapou das garras inimigas. Gatuno se agarrou no pedaço de madeira e se posicionou no telhado, pronto para um novo salto.

“Essa é a minha casa, bichano! O meu lugar de poder! Acha mesmo que pode me derrotar dentro desse calabouço?”

Gatuno olhou ao redor em busca do pássaro. Mas tudo que podia ver eram esqueletos pendurados. Esqueletos rapidamente envolvidos por uma estranha luz azulada. Os olhos de Gatuno dilataram-se. Os mortos se mexiam, se livravam das correntes que os seguravam e olhavam para ele com cavidades orbitais tão profundas quanto o abismo.

“Adivinhe quem irá pagar pelos pecados agora, sabichão?”

A seguir: Gatuno enfrenta um exército de zumbis enquanto o Corvo Negro prepara sua próxima investida! Zé Maria confronta a criatura que o desfigurou! E o fogo ameaça a todos consumir! Em uma semana!

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O roubo do livro dos Segredos - 4

4: Sekhmet

Em algum lugar distante, se levantavam os gritos e o cheiro de carne queimada. Mas não onde João se encontrava. Não na mata virgem de algum reino distante além das fronteiras da realidade. Um lugar que ele conjurou com o poder da própria mente em busca de uma salvação fugidia. Ele estava na selva. E podia sentir os olhos da fera que o espreitava.

“Quem está aí?”, exigiu em tom de voz levemente desafiador.

Um riso irônico partiu da vegetação. Um riso feminino.

“Pequeno humano”, respondeu uma voz poderosa e antiga. “Você me acordou! É um erro fazer isso sem conhecer as conseqüências de tal ato! Está pronto para pagar o preço da sua audácia?”

“Suas ameaças não me assustam, criatura. Eu já morri uma vez e não temo mais a morte. Apareça de onde estiver e me confronte. Eu a desafio!”

“Bast estava certa”, respondeu a poderosa voz no meio da mata. Então, sua portadora deixou a escuridão esverdeada para se colocar diante de João em toda sua majestade. Uma mulher felina que vestia armadura leve e armas perfurantes penduradas em bainhas. Uma mulher que João havia encontrado uma única vez. “Você parece digno do poder...”

“Sekhmet!”, reconheceu João. “Onde estou? O que significa isso?”

“Você é nosso avatar na Terra, humano. Meu e de Bast. Até o momento, você nos negou e tentou nos abandonar. O que mudou?”

“Seu mundo colidiu com o meu! Desde que as encontrei, tenho sido perseguido, torturado e usado como peão de homens com poderes que desafiam minha compreensão! Não sei porque isso aconteceu, mas entendo que, se quiser algum dia levar uma vida normal novamente, terei que jogar pelas suas regras! Então, aqui estou. Eu aceito o fardo de me tornar Gatuno uma vez mais.”

A deusa sorriu. Parecia estar se divertindo com a situação. Ela não era mais a gigante com quem João se encontrou uma vez. Tinha diminuído de tamanho e agora media apenas 3,5 metros de altura. João pensou por um segundo qual seria o motivo da mudança, mas então Sekhmet falou novamente.

“Você tentou tapear minha irmã uma vez. Ela é misericordiosa. Eu não tenho tais escrúpulos. Você entende?”

João assentiu. Sabia que estava negociando com uma divindade e que a dívida seria cobrada mais cedo ou mais tarde.

“Até o momento, você tem usado os poderes que lhe concedemos em benefício próprio. Sem consciência do presente real que lhe demos. Do verdadeiro potencial do Gatuno. E, como posso ver, ainda demorará um pouco para que esse potencial se manifeste dentro de você. É preciso um período de adaptação. Ou gestação, se preferir. Você ainda é uma criança. Mas vejo que posso moldá-lo em um guerreiro perfeito, se assim o desejar.

“Peço apenas que entenda o significado do caminho que está prestes a escolher. Se optar a mim ao invés de minha irmã, seus inimigos temerão o seu nome. Todo mal que presenciar poderá ser punido de maneira apropriada. Os animais e elementos lhe darão seu apoio. E exércitos o seguirão nas batalhas vindouras”, Sekhmet fez uma pausa. Séria.

“E sangue será derramado em meu nome. Em quantidades que você não pode sequer imaginar ou terá poder para controlar. A loucura e embriaguez será o ponto final de sua jornada. Esse é o destino que prevejo para você. Sabendo de tudo isso, ainda deseja seguir o caminho que lhe ofereço?”

João hesitou, surpreso com a franqueza da divindade e assustado com os maus agouros da decisão que estava prestes a fazer. Pensou em desistir da barganha por um momento. Mas, se fizesse isso, estaria condenado a uma morte sofrida e também condenaria Zé Maria, a quem não guardava mais nenhuma simpatia e que, mesmo assim, não gostaria de deixar morrer. Não queria mortes na consciência. E mortes eram o que Sekhmet lhe prometia. Em um futuro sombrio e distante, mas ainda possível. Pensou em tudo isso e balançou a cabeça. Não tinha opções. Não de verdade.

“Eu aceito”, respondeu enfim. “Serei o avatar de vocês novamente!”

“Meu avatar, João dos Santos”, corrigiu Sekhmet com um sorriso maligno. “Meu avatar. Não se esqueça disso.”

A divindade fez um gesto com as mãos e a alma de João foi lançada no vazio entre as realidades. Ele caía de volta para o próprio corpo, como na primeira vez em que morreu, com as palavras de Sekhmet a segui-lo por todo o caminho. A voz dela e algo mais. Algo muito semelhante a uma risada histérica e malévola.

“AAAAHHHHHHH”, gritava João dos Santos nas catacumbas da mansão do Corvo Negro.

O mago ria sem parar. João tinha voltado à realidade, onde o velho lhe queimava com um ferro em brasa. Ele se perguntou se a risada que escutou quando caía não seria a dele. Mas não fazia mais diferença. A dor era algo distante. Algo quente e poderoso pulsava em seu peito. O Corvo Negro se afastou.

“Mas o que é isso?”, questionou o mago.

“Isso, velho, é a sua perdição!”, respondeu João ao sentir as forças de Gatuno tomarem seu corpo.

Os músculos novamente se expandiam, um pêlo alaranjado e vistoso brotava de sua pele, agora acompanhado de listras escuras. Garras tomavam conta das mãos. E seu rosto voltava a adquirir um aspecto animalesco. O rosto de um tigre feroz e furioso. Ele rugiu com imponência enquanto se livrava dos grilhões que restringiam seus movimentos e se pôs de pé uma vez mais. Gatuno estava de volta!

“Não pode ser”, balbuciou o Corvo Negro. “Você é uma cria dos velhos deuses! Você não devia existir! Isso só pode significar que... o selo foi quebrado! A velha magia está de volta!”

A fera que momentos antes ocupava o corpo de João dos Santos levantou o rosto na direção do mago e sorriu. Seus olhos cintilavam sob a luz do fogo.

“Hora de pagar os pecados, meu velho...”

Fim do episódio

A seguir: Gatuno confronta o Corvo Negro, que precisará recorrer a todos os truques que tem na manga para sobreviver! E ainda: Zé Maria se vê novamente diante da fera que dilacerou seu rosto! Conseguirá ele sobreviver a um segundo encontro? Descubra em uma semana na história intitulada O retorno da magia!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O roubo do livro dos Segredos - 3

3: Prisioneiros no calabouço do Corvo Negro

O relógio na parede do casarão do Colecionador fazia tic tac, tic tac, tic tac.

Sentado no escritório em meio à escuridão, ele observava o objeto pendurado em um suporte cinco metros à frente. O ponteiro do relógio saltou uma casa. Outro minuto passou. Ele se aproximava cada vez mais do número doze. Logo o gongo da meia-noite iria soar. O Colecionador não tinha pressa. Fixava o olhar no amuleto de Gatuno e aguardava, impassível.

Enquanto isso, João recobrava a consciência em um lugar quente, úmido e fétido. Ele percebeu que estava preso novamente. Dessa vez, no que parecia ser uma plataforma de tortura. Na frente dele estava Zé Maria, ainda desmaiado. O ambiente era iluminado por tochas e havia esqueletos e corpos terrivelmente decompostos pendurados por correntes no teto. Dezenas deles. Armas medievais também estavam penduradas nas paredes. O ar era pesado e o calor, semelhante a uma fornalha.

“Bem vindo de volta...”, pronunciou uma voz asquerosa com uma pequena risada.

João se virou na direção do som e viu um velho quase careca, com longos fios brancos e finos a lhe caírem pelos ombros, o observar por trás de olhos de vidro. O velho vestia um manto negro e tinha as costas encurvadas. Locomovia-se com ajuda de um bastão de madeira e parecia estar sempre sorrindo.

“Seu amigo também está acordado”, disse apontando para Zé Maria, que permanecia com a cabeça caída. “Ele pensa que, se eu achar que ainda está dormindo, nada de ruim vai lhe acontecer”, o velho riu da tolice. “E você, meu caro? Pensa que é seguro fingir inconsciência também?”

João cuspiu no chão em resposta. Estava cansado de acordar preso diante de alguém que se achava mais esperto do que ele.

“Ah, vejo que ainda arde uma flama no peito deste aqui”, continuou o velho se aproximando de João. “Será que pode me falar, então, o que os dois patetas faziam em meus domínios, hein?”

João não respondeu. O velho se virou de costas e pegou alguma coisa.

“Talvez quisessem dar uma olhada nisso aqui?”, perguntou mostrando o livro dos Segredos. “É um livro de muitas utilidades, eu sei. Talvez vocês quisessem descobrir onde está escondido o tesouro secreto de Hitler? Ou saber o que fazer para conquistar uma atriz famosa? O número da conta do presidente da República? Não?”

“Por mim você pode queimar esse livro e jogar as cinzas no lixo”, respondeu João. “Você nos capturou! Estamos à sua mercê! E, para te falar a verdade, não estou com paciência para ter essa conversa de novo! Se quer nos matar, faça isso de uma vez!”

“Mas onde estaria a graça nisso?”, questionou o velho, se divertindo com o nervosismo do prisioneiro. “Não se preocupe. Garanto que os dois vão morrer. Mas, antes disso, deixem esse velho bruxo se divertir um pouco, ok? Faz tempo que não recebo visitas...”

Então, como era de se esperar, Zé Maria se pronunciou mostrando que não estava nem um pouco inconsciente.

“Não! Por favor, não me mate! Sou jovem! Não tenho filhos, mas ainda posso ser pai de família! Tenho a vida toda pela frente! Me deixe viver! Por favor!”

O velho olhou para Zé Maria e de volta para João, que deu de ombros. Zé Maria continuava a suplicar pela vida.

“Ele é sensível à palavra morte...”, explicou João.

“Você, por outro lado, parece não temer o fim. Me pergunto por quê?”

João não respondeu. O velho se aproximou, o examinando de perto. Ele colocou óculos semelhantes ao usado por soldadores e pareceu enxergar alguma coisa, pois se afastou com uma expressão de surpresa.

“Você foi tocado pelos deuses, meu garoto”, disse o velho enfim. “Fazia tempos que não via alguém como você! Séculos, na verdade! Isso é muito divertido! E, curioso...”

O velho se afastou de João com uma expressão pensativa. Foi parar em algum lugar atrás da plataforma onde estava preso. Zé Maria ainda chorava e parecia ter sujado as calças.

“Você ainda não nos disse seu nome...”, convidou João.

“Não?”, perguntou o velho aparecendo subitamente na linha de visão do bandido. Ele carregava um ferro com a ponta fumegante em uma das mãos. “É, acho que estou ficando velho mesmo. Pode me chamar de Corvo Negro, garoto! Sou um bruxo à moda antiga. E sei quem mandou vocês para me roubar.”

“Sabe?”, inquiriu João curioso.

O Colecionador tinha colocado um feitiço nele e em Zé Maria para que nenhum dos dois pudesse revelar quem os tinha contratado no caso de captura.

“Claro que sim! O que o Colecionador pensa que sou? Um tolo? Quem mais teria poder para fazer algemas tão sofisticadas quanto as que vocês estão usando? Estou certo, não estou?”

“Eu não saberia dizer...”, respondeu João.

“Sim, um feitiço de silêncio também está dentro das capacidades dele. Não faz mal. Sempre soube do interesse do Colecionador pelo livro dos Segredos. O espertinho já tentou me comprar ele umas duzentas vezes, sem sucesso. Mas, o que me impressiona, é ele me mandar dois incompetentes como vocês para fazer o serviço sujo. Quer dizer, do que te serviu ser tocado pelos deuses, garoto? Será que algum deles vai me impedir de te torturar agora?”

“Faça o seu pior”, disse João, desafiador.

O velho sorriu. “Vamos ver como vai estar essa bravura dentro de alguns minutos, o que acha?”

O velho se aproximava com a ponta alaranjada da barra de ferro em brasa. João podia sentir o calor emanado da arma. Grilhões de aço prendiam suas mãos e pés. Não tinha nada que o ajudasse a sair daquela situação. O medo começava a atacar seus nervos. O velho ria como um louco enquanto aproximava cada vez mais a ponta da barra da pele do prisioneiro. Zé Maria assistia a tudo com uma expressão de horror.

Então, por um momento, João se lembrou das palavras de Bubastis em um sonho recente. Aceite a transformação, não lute contra ela. Só assim você sobreviverá o que está por vir. A mente de João trabalhava freneticamente. Ele se lembrou de lançar o amuleto no fundo do Lago Serafim apenas para encontrá-lo na cômoda do apartamento onde morava. Se perguntou se seria capaz de invocar o amuleto naquela situação. João fechou os olhos. A barra de ferro a menos de dez centímetros de sua pele.

No casarão na rua Barões do Cerrado, o Colecionador fitava a peça esverdeada presa a um suporte. O relógio na parede fazia tic tac, tic tac, tic tac. O ponteiro dos minutos andou mais uma casa. Então, um brilho pareceu emanar brevemente do amuleto, que tremeluziu no ar e desapareceu por completo. O Colecionador sorriu.

A seguir: João clama pelo seu lado mais selvagem para salvar a própria vida! Mas, ao fazê-lo, ele pode acabar se deparando com um perigo maior do que imagina! E uma deusa se manifesta novamente! Tudo isso e mais no próximo capítulo do Roubo do livro dos Segredos!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O roubo do livro dos Segredos - 2

2: Infiltração

Um casarão de madeira saído de um filme de terror estava localizado no morro acima do antigo cemitério de Ilumina. A construção tinha ao menos cinco andares e uma torre, onde estava a única luz visível da residência. Era noite de lua cheia, mas nuvens negras cobriam o céu e o vento soprava lamentoso por entre as lápides.

João estudou o local de cima do muro do cemitério. Se não fosse pela luz tremulante na torre, a casa pareceria completamente abandonada. Ele gostaria de mais tempo para bolar um plano consistente de roubo. Mas o Colecionador não lhe dera muitas opções. O melhor era acabar com aquilo de uma vez.

João saltou o muro e começou a andar furtivamente quando sentiu um puxão no braço. Olhou para cima do muro. Zé Maria ainda estava empoleirado ali com a mão esticada na direção de João. Os braceletes dourados que eles usavam nos pulsos ligavam os dois com uma corrente invisível e intangível. Cortesia do Colecionador.

“O que você pensa que está fazendo?”, sussurrou João nervosamente. “A gente precisa entrar no casarão antes que alguém nos veja aqui do lado de fora! Vamos!”

Zé Maria balançou a cabeça coberta de faixas negativamente.

“De jeito nenhum que eu entro numa casa mal assombrada dessas! Esse lugar todo cheira à morte!”

“Estamos do lado de um cemitério! É claro que esse lugar cheira à morte!”

“Quero ir embora...”, suplicou Zé Maria.

“Bom, você devia ter pensado nisso antes de me matar na casa daquele doido e dar início a toda essa loucura! Agora, vamos!”

João puxou a corrente invisível e Zé Maria perdeu o equilíbrio, caindo sobre um arbusto. Ele gemeu de dor e parecia estar à beira de um ataque histérico. Apesar de tudo, João sentia pena do colega porque sabia que ele não tinha a menor vocação para bandido. Não passava de uma alma confusa e perdida.

“Vamos”, incentivou João ajudando-o a se levantar. “Quanto mais rápido pegarmos aquele livro, mais rápido nos livraremos de toda essa maluquice!”

“Ainda acho que isso tudo é uma má idéia...”

“Claro que é, mas a não ser que você prefira passar o resto da vida a menos de três metros de mim, acho que não temos muita opção, não é mesmo?”

Zé Maria coçou o bracelete dourado. Os dois sabiam que não havia meios comuns para retirá-los. Estavam unidos pela magia. E só a magia poderia libertá-los novamente. E, para que isso acontecesse, tinham que levar algo chamado o livro dos Segredos de volta para o Colecionador.

“Acho que não...”, respondeu Zé Maria a contragosto. “Mas como vamos fazer isso?”

“Apenas me siga e tente não fazer nenhum barulho”, orientou João.

A dupla se colocou em movimento e atravessou rapidamente o descampado até o casarão, parando debaixo de uma janela lateral. João sinalizou para que Zé Maria fizesse silêncio e se levantou devagar. Com o canto do rosto, espiou pelos vidros escuros o interior da residência. Por um segundo, desejou ter junto de si o amuleto do Gatuno para enxergar melhor. Mas esperava não precisar dele para fazer o trabalho. O local parecia deserto.

João retirou um canivete do bolso e forçou a tranca. Conseguiu quebrá-la quase sem fazer barulho. Em seguida, abriu lentamente a janela e entrou no aposento, que cheirava a mofo. Olhou ao redor. Nenhum movimento. Sinalizou para Zé Maria para que também entrasse. Segundo as orientações do Colecionador, o livro dos Segredos estaria em uma estante no terceiro andar da casa. Tudo que precisavam era chegar até lá sem chamar atenção e sair de fininho com o objeto nas mãos.

João ficou parado até que sua visão se acostumasse com a escuridão do casarão. O serviço parecia simples o suficiente. A casa não tinha alarmes nem outras medidas de segurança visíveis. Mas bastava que um deles esbarra-se em um vaso para que tudo fosse por água abaixo. Além disso, existe sempre a possibilidade de fantasmas guardarem esse lugar, pensou João se lembrando da casa do Colecionador. Ou alguma coisa ainda mais sinistra...

João afastou os pensamentos derrotistas e se virou para Zé Maria.

“Você consegue enxergar as formas que nos cercam? Consegue caminhar sem esbarrar em nada?”

“Posso tentar”, respondeu Zé Maria.

“Você vai ter que fazer melhor do que isso se quiser sair daqui com vida!”

Zé Maria soltou um gemido assustado. João suspirou.

“Apenas me siga...”

Os dois andavam devagar e sem pressa. Demorou um pouco até que João encontrasse a escada de acesso para os andares superiores. Quando a achou, se perguntou como não deduziu que ela também era a forma de acesso para a torre. Eles subiram os degraus em espiral, iluminados pela luz da lua que atravessava pequenas janelas gradeadas.

As escadas eram um pouco mais iluminadas do que o restante da casa. Mas não havia nada tranqüilizante para se ver por ali. Apenas quadros com rostos mumificados e entediados, além de teias de aranha por todos os lados. Alguns degraus rangiam levemente sob o peso dos bandidos. Nesses momentos, João parava e olhava para cima, tenso. Só depois de perceber que nenhum alarme tinha disparado, fazia sinal para Zé Maria continuar o percurso.

A subida pareceu durar uma eternidade, embora na realidade não deva ter levado mais do que alguns minutos. A escuridão dominava o terceiro andar e, por mais que João tentasse, não conseguia enxergar mais do que uns poucos palmos à frente. Ele percebeu que as janelas ali deviam estar bloqueadas e decidiu arriscar a sorte. Riscou um fósforo, que brilhou intensamente no ar parado da casa.

“O que você está fazendo?”, perguntou Zé Maria preocupado.

“Relaxe”, respondeu João estudando o ambiente à luz fraca do fósforo. “Estamos sozinhos aqui...”

Logo, viu um candelabro e acendeu uma vela. Como tinha suposto, todas as salas no pavimento estavam fechadas por cortinas espessas. A luz fraca da vela não atrairia atenção de ninguém que observasse a casa do lado de fora da residência. Os dois caminharam em silêncio até se depararem com uma enorme estante com centenas de livros. Por meia hora, eles procuraram o volume pedido pelo Colecionador em vão. Estavam a ponto de desistir quando os olhos de João viram um livro gigantesco largado sobre uma mesa no corredor.

Uma força invisível parecia emanar do volume. João se aproximou e pegou-o nas mãos. Era pesado. Tentou abri-lo e percebeu que estava lacrado. Olhou na lateral e leu o nome da edição. Sorriu. Tinha encontrado o livro dos Segredos. Se virou para o colega.

“Zé Maria”, chamou o bandido que forçava a vista para ler o título dos livros.

Zé Maria se virou. João levantou o livro. O colega respirou aliviado e caminhou apressado para as escadas.

“Vamos então”, apressou-se Zé Maria. “Não temos tempo a perder!”

“Cuidado”, tentou alertar João.

Mas era tarde demais. Zé Maria esbarrou em uma mesa e derrubou um abajur em forma de bola, que rolou sem controle pelo chão até a escada em espiral. A peça caiu em uma cacofonia interminável até o primeiro andar do casarão. Nem João nem Zé Maria conseguiam se mexer. Se a casa tivesse alguma medida de segurança, ela com certeza tinha sido acionada após todo barulho que fizeram.

Os dois ficaram em silêncio. Não ouviram nada durante um longo tempo. Então João deu um tapa na nuca de Zé Maria.

“Seu idiota”, sussurrou nervoso. “Quer colocar tudo a perder?”

Zé Maria não teve tempo de responder. Um sibilo semelhante ao de uma cobra chegou até os dois. João se virou para o corredor. Uma criatura aparentemente feita de fumaça fosforescente em forma humana espreitava os corredores. Zé Maria gritou de medo, atraindo a atenção do ser sobrenatural.

Antes que João pudesse fazer algo para conter o colega, ele tinha partido em disparada para outra sala. Tinha esquecido completamente das algemas mágicas que usava. João a puxou e Zé Maria foi puxado para o lado, batendo o rosto em uma parede e caindo desmaiado no chão. João tentou levantar o colega, mas era tarde demais. Olhos cintilantes brilharam na escuridão e tentáculos de fumaça envolveram João. Tudo estava perdido.

A seguir: Capturados, João e Zé Maria enfrentarão um poderoso mago, ansioso por saber o motivo da invasão ao seu casarão! João precisará usar métodos pouco convencionais para escapar da morte certa! Em uma semana!