quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Como cães e gatos - 4

4: Fuga

“E o que acontece depois que eu te entregar o amuleto?”, perguntou João, furioso. “Você mata a gente, é isso?”

“O destino de vocês não está em minhas mãos. Tenho ordens de entregá-los vivos ao meu cliente. O que ele fará com vocês não é problema meu...”

“Você não me disse nada disso antes”, reclamou Zé Maria. “Foi esse cretino quem roubou teu cliente! Não tenho nada a ver com isso! Matem ele, mas me deixem ir embora!”

“Desculpe, cara, o acordo é os dois serem entregues de presente. E não acho que meu entregador pretenda matá-los. Não faz o estilo dele. Agora, voltem ao trabalho! Ainda tem muito dinheiro para vocês recolherem...”

João se levantou, desafiador. Cedric, que estava encostado na parede, deu um passo à frente e cerrou os punhos, em uma posição defensiva. Não falou nada. Apenas olhou para o bandido, que já estava com a cara meio inchada pelas duas vezes em que o derrubou, e sorriu. João sabia que não tinha chances contra aquele homem em uma luta justa.

“Dane-se tudo isso”, rosnou João entre os dentes e correu para o próprio quarto.

“Pare!”, gritou o detetive se colocando em seu encalço.

Cedric era rápido. Mas João deu tudo de si naquela pequena corrida. Ele não pretendia parar. Ao invés disso, saltou em um só movimento contra a janela. Vidros voaram na escuridão e alguns pedaços ficaram encravados na jaqueta de couro de João. Não deu tempo para pensar em nada. Um jorro de adrenalina percorria seu corpo. Estava em pleno ar e em queda livre.

O telhado vizinho ficava a uma distância de três metros de distância e quatro de altura. O impulso de João tinha sido suficiente para que alcançasse o outro lado sem se espatifar em uma parede. Mas nunca tinha feito nada igual antes. Ao menos, não em forma humana. Ao aterrissar do outro lado, ouviu um estalo seco e sentiu a perna esquerda ceder. Um relâmpago percorreu seus nervos e João gritou de dor. Tinha quebrado o pé.

“Essa foi uma das coisas mais estúpidas que já vi...”, comentou Cedric observando João pela janela quebrada. “Achou que ia conseguir fugir dessa maneira?”

João levantou o dedo do meio para o detetive. Cedric não deu atenção ao gesto.

“Espere um minuto. Preciso algemar seu colega imprestável antes de te pegar aí. Não tenha pressa para tentar fugir, ok?”

O detetive voltou para dentro do apartamento. João olhou em volta e viu o amuleto encostado na parede. Exatamente no lugar onde tinha caído mais cedo. Tentou se levantar e sentiu um fogo insuportável a subir pela perna machucada. Caiu novamente. Seria preciso se arrastar. Mas a que distância estaria o amuleto? Cinco, sete metros? Daria tempo de chegar até ele antes que o detetive viesse em seu encalço? Afastou da cabeça as dúvidas e começou a se arrastar.

“Ainda tentando fugir?”, perguntou o detetive de volta à janela do apartamento. “Você me diverte! Aguarde um segundo...”

João continuou a se arrastar. Estava mais perto do amuleto. Não podia desistir naquele momento. Ouviu o som de passos apressados e então um silêncio breve, que precedeu uma aterrissagem suave no telhado onde se encontrava. Muito mais suave do que o tombo do bandido. João olhou para trás. O detetive se colocava de pé, com a postura do perseguidor implacável que era. O amuleto ainda estava distante. João redobrou os esforços para alcançá-lo.

“Pode parar de se arrastar quando quiser, camarada”, comentou o detetive enquanto batia os poucos cacos de vidro que se prenderam no sobretudo durante o salto. “A brincadeira acabou. Se renda enquanto ainda lhe resta alguma dignidade, certo?”

João não respondeu. Estava a menos de um metro do amuleto. O detetive aparentemente não tinha visto a peça. Talvez nem soubesse de seus poderes. João tinha uma chance e se agarrava a ela com toda força.

“Tenho que admitir, tu tem colhões, meu caro. Pena que eles não vão te adiantar de nada agora. Lamento que tenha que ser dessa forma, amigo, de verdade. Mas sou um homem de palavra. Espero que entenda...”

As pontas dos dedos de João tocaram o amuleto. Então mãos mais fortes que a do bandido se fecharam sobre a gola da jaqueta dele e o levantaram como um boneco.

“Estou falando contigo, cara. Que foi? O gato comeu sua língua?”

“Escolha interessante de palavras”, respondeu João rindo pela primeira vez.

O detetive não entendeu. João ficava mais pesado a cada momento que passava e parecia ficar mais encorpado. Cedric o virou e ficou surpreso com o que viu. Garras brilharam sob a luz do luar e acertaram o peito do homem de sobretudo, que largou a coisa que momentos antes era apenas um bandido pé de chinelo.

João mudava sob o olhar do detetive. Pêlos alaranjados cresciam pelos braços e o rosto se alargava, adquirindo características felinas. Os olhos assumiam um aspecto selvagem e ameaçador. Gatuno caminhava sobre a face da Terra uma vez mais.

“O que foi?”, repetiu Gatuno com um sorriso malicioso. “O gato comeu sua língua?”

O detetive encarou a criatura com descrença e então sorriu enigmaticamente. Gatuno esperava que o humano corresse. Ao invés disso, Cedric retirou o sobretudo em desafio à criatura inumana.

“O que está fazendo?”, rosnou Gatuno. “Não pode estar pensando seriamente em lutar comigo, está?”

Cedric jogou a camisa que vestia sobre o sobretudo descartado. Tudo sem tirar os olhos do oponente.

“Bichano...”, provocou o detetive. “Você não faz idéia com quem se meteu dessa vez!”

Gatuno rosnou e se preparou para atacar. Mas hesitou um momento. Alguma coisa acontecia com o homem parado diante dele. Poderia ser apenas um jogo de sombras, mas a visão aguçada de Gatuno era melhor do que a dos humanos. Ele entendeu que aquilo que via não era fruto de sua imaginação.

O homem diante dele realmente aumentava de tamanho a cada segundo e pêlos negros saltavam da pele. Os músculos do detetive se dilatara na medida que a transformação ganhava velocidade. O rosto se afunilava e dentes brancos ficavam mais largos e pontudos. O nariz deu lugar a um focinho. Orelhas pontudas se levantaram na escuridão e olhos ferozes, negros como a noite, encaravam o inimigo com escárnio. O lobisomem se pôs em posição de ataque e soltou um longo uivo de satisfação.

Dessa vez foi Gatuno quem deu um passo para trás, surpreso. O lobisomem tinha duas vezes o seu tamanho.

“Ainda quer brincar?”, perguntou a voz cavernosa do homem-lobo.

A seguir: Gatuno enfrenta seu primeiro desafio de verdade! Mas terá ele chances contra um inimigo mais experiente e mais forte? Confira em uma semana!

Um comentário:

Anônimo disse...

Opa! Por essa eu não esperava!!A batalha dos selvagens em busca da sobrevivência ou da soberania animal?Ou seriam os dois??? ;)

Vamos que vamos que o show (ups, estória) não pode parar.

Bjoo Gatuno