sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Como cães e gatos - 1

Como cães e gatos

1: Procurado

O homem de sobretudo e cabelos negros tragou o cigarro antes de descartá-lo na sarjeta. Os olhos atentos reconheceram o movimento de homens de preto, óculos escuros e fones de ouvido ao redor do casarão. Grandes vans pretas estavam estacionadas na calçada. Ele caminhou sem pressa na direção dos seguranças

Eram 15h de uma segunda-feira ensolarada e o homem de sobretudo tinha um compromisso marcado com o dono do casarão.

Um homem de preto, musculoso e ameaçador, tentou barrar a entrada dele.

“Desculpe”, disse com a mão barrando o caminho do homem de sobretudo. “Mas estamos fechados hoje. Por favor, volte amanhã”.

O homem de sobretudo sorriu.

Três andares acima, o dono do casarão contemplava os estragos feitos à sua coleção enquanto viajava a negócios. Pedaços de armadura jaziam espalhados pelo salão, assim como armas medievais e outras peças de valor inestimável. O amuleto egípcio havia desaparecido. Mas o que mais o preocupava era uma velha caixa de ferro caída a um canto com o lacre estilhaçado.

Então, o som de gritos e luta chegou a seus ouvidos. Ele olhou calmamente no relógio. Seu convidado tinha chegado na hora marcada.

“Senhor!”, chamou um homem de preto ofegante na entrada do salão. “Precisamos tirá-lo daqui agora! Um louco está tentando entrar na casa e nem meus melhores homens conseguem detê-lo!”

“Não seja tolo, Adolfo. Diga a seus homens para afastarem-se. Cedric é meu convidado!”

“Isso não será necessário...”, avisou o homem de sobretudo do corredor. Ele acabava de subir as escadas e ajeitava as roupas enquanto procurava um isqueiro com uma das mãos. Um cigarro pendente na boca. “Já dei conta de todos seus seguranças inúteis...”

O dono do casarão olhou sobre o balcão, de onde vinham grunhidos de dor e blasfêmias. Lá embaixo estavam quase vinte homens caídos e outros tantos se arrastavam com olhos roxos e membros fraturados. O dono do casarão sorriu.

“Algum morto?”

“Não me rebaixe ao nível da escória com a qual está acostumado a lidar”, rosnou o homem de sobretudo acendendo o cigarro. “Devia tê-los avisado sobre o nosso compromisso. Não aprecio violência desnecessária. Por que me chamou?”

“Se bem me lembro, meu caro Cedric, eu e você temos negócios inacabados...”

O homem de sobretudo lançou um olhar penetrante sobre o dono do casarão. Chamas de ódio ardiam dentro dele. Jogou o cigarro que tinha acabado de acender sobre o balcão.

“Eu te devo um favor...”, disse enfim.

“E eu resolvi cobrá-lo!”, respondeu o dono do casarão.

“O que quer de mim, Colecionador?”

“Por favor, Cedric, me chame de Alberto. Não há motivo para formalidades entre nós...”

“O que quer de mim?”, repetiu o homem de sobretudo.

“Ouvi dizer que tem trabalhado como detetive nos últimos tempos”, continuou o dono do casarão, sem se alterar. “Caçando flagrantes de maridos infiéis para velhas ricas da alta sociedade? Não pensei que pudesse se rebaixar tanto...”

“Paga as contas e é um trabalho honesto. Diferente do que gente da sua laia está acostumada a fazer. O que quer de mim?”

O dono do casarão parou sobre uma mesa repleta de bebidas e se serviu de uísque. Encarou o homem de sobretudo. Estava sério agora.

“Alguém foi estúpido o bastante para entrar na minha propriedade e roubar algo de valor para mim”, respondeu secamente. “Quero que você encontre esse bandido e o traga aqui. Com vida. Ele também levou algum dinheiro que quero de volta. Estou disposto a lhe pagar R$ 20 mil pela captura do sujeito!”

“Sujeitos”, corrigiu o homem de sobretudo.

“Perdão?”

“Você fala como se apenas uma pessoa tivesse invadido sua casa”, respondeu o homem de sobretudo com as narinas sobressaltadas, em busca de alguma fragrância perdida. “Mas havia dois deles. Embora o odor de um seja mais difícil de captar do que o do outro...”

“Então irá encontrá-los para mim?”

O homem de sobretudo sorriu e deu as costas para o dono do casarão. Tinha um trabalho a fazer.

Do outro lado da cidade, João dos Santos abria uma lata de cerveja enquanto encarava uma pilha de dinheiro arrumada em cima da mesa do apartamento onde morava. Ali tinham exatos R$ 3,66 milhões de notas sujas de sangue. Era assim que ele encarava a fortuna. Por mais que tentasse, era incapaz de afastar da mente o que fizera ao pobre Zé Maria depois da traição que sofreu.

Ele bebeu a cerveja, que desceu amarga pela garganta. Estava rico e não sentia nenhum prazer nisso. Sua vontade era jogar o dinheiro pela janela e esquecer os horrores que passou para consegui-lo. Chegou a pensar em doar tudo para caridade. Sua tia mantinha um centro comunitário próximo dali e usaria o dinheiro somente para fazer o bem. Só que ela não estava disposta a receber nenhuma fonte de renda obtida por meios escusos, como João descobriu do modo mais difícil. O tapa que levou ao sugerir a idéia para tia ainda ardia na face. Não. Tinha que arranjar outra função para a fortuna maldita.

De repente, o telefone tocou no quarto. João se levantou para atendê-lo, mas parou na metade do caminho. Não podia acreditar no que via. Na cômoda ao lado da cama estava uma peça circular esverdeada com o desenho de um gato impresso na superfície. Era o mesmo amuleto que tinha arremessado um dia antes nas profundezas do Lago Serafim.

“NÃO!”, gritou ele para as paredes. “EU NÃO VOU VIRAR AQUELE BICHO DE NOVO! PODEM ESQUECER! E PODEM ME ESQUECER TAMBÉM!”

João agarrou o medalhão, abriu a janela e o jogou no telhado vizinho. Ele esperava que a peça de pedra se espatifasse em mil pedaços. Mas o amuleto simplesmente quicou duas vezes e parou recostado a uma parede, como se olhasse para João com desdém.

“ME OUVIU, BAST? OUVIU SEKHMET? NÃO TEMO VOCÊS E NÃO ESTOU INTERESSADO NESSE SERVICINHO SEM FUTURO! PROCUREM OUTRO TROUXA PARA FAZER SEU TRABALHO SUJO!”

João fechou a janela e as cortinas. Estava furioso e um pouco assustado. Deusas egípcias o tinham ressuscitado para que ser o avatar delas na Terra. E, claramente, seria mais difícil se livrar da maldição do que previamente imaginara. Olhou o relógio. Eram quase 17h. Boa hora para um drinque no Zona Proibida. Encontrar o pessoal. Clarear as idéias, pensou João e saiu do apartamento, sem olhar para a fortuna abandonada sobre a mesa.

A seguir: Antes das atrações do próximo capítulo, me desculpem pela demora na postagem. Foi uma semana agitada no trabalho. E a próxima promete ser bem movimentada também, visto que vamos entrar em esquema de plantão. Por isso, e por causa dos feriados de fim de ano, entraremos em um breve recesso até o ano que vem. Prometo voltar com força redobrada em janeiro. Por isso, desejo um feliz Natal e um próspero ano novo para todos os leitores do Gatuno! E vamos às atrações do próximo capítulo: O detetive Cedric começa sua busca pelos homens que roubaram o Colecionador! E o que ele irá encontrar deve surpreender quem tem acompanhado a história desde o princípio! Confira na primeira semana de janeiro! Até lá!

2 comentários:

Anônimo disse...

Suspense e investigações... Tô adorando o rumo que a história está tomando. Escreva mais sobre Cedric e seu trabalho.
Quando o João vai ser mau de verdade? Ele tá muito bonzinho e medroso ;)

Beijosss

Sartaris disse...

Gatuno,

Estava desatualizada mas agora já li tudo o que se passou com o gatuno. Eba! Ainda bem que o ano que vem começa na quinta!

Beijocas

Ps: Adorei o presente. Agora só falta a coragem para encarar o fantasma.