sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A marca do Gatuno - 7

7: Acerto de contas

Zé Maria estacionou o carro na frente de um pequeno prédio abandonado, com paredes sujas e pichadas. As mãos do bandido tremiam. Ele olhou para ambos os lados ao descer do veículo. Não havia ninguém por ali. Latidos de cachorro e o som constante de carros em uma via próxima eram tudo que conseguia escutar. Nada de sirenes, nada de gritos, nada de perseguição. Mesmo assim, não conseguia afastar o pressentimento de que alguém observava seus passos. Afinal, tinha matado um homem pela primeira vez a menos de uma hora. Nada mais natural que ficasse meio paranóico.

Pensou em João por um momento, no olhar de surpresa do velho amigo, mas afastou o pensamento o mais rápido que pôde. Primeiro, abriu o cadeado que trancava a porta do velho prédio. Depois, abriu o porta-malas. Ali estava uma sacola esportiva esverdeada com mais dinheiro do que poderia imaginar. Estava pesada. Tão pesada quanto um corpo humano. O preço de uma vida, pensou Zé Maria com amargor.

Então o som baixo, constante e ameaçador fez seu sangue gelar. O som de uma fera escondida na escuridão prestes a atacar.

Zé Maria deixou a sacola cair no chão e se virou, arma em punho. Nada. Nada para nenhum lado que olhasse. Pelo canto do olho, viu um vulto se movimentar em um telhado próximo. Antes que percebesse, duas balas saíram do cano do revólver com um estrondo. Não havia nada lá também.

“Quem diabos está soltando bombinhas na rua a essa hora da noite?”, perguntou um velho sonolento da janela de um dos prédios.

Zé Maria escondeu a arma. Disse para si mesmo que seus nervos tinham lhe pregado uma peça. E ele quase pôs tudo a perder. Fechou o porta-malas, agarrou a sacola e entrou no prédio antes que o velho questionasse o que estava fazendo.

Fechou a porta e subiu as escadas rapidamente. Procurou o interruptor na escuridão e acendeu a luz, que crepitou um minuto antes de iluminar fracamente o ambiente. Não havia muito para se ver. Só coisas velhas e sem valor. Zé Maria ficou em silêncio, a escutar o barulho baixo da lâmpada contra as batidas violentas de seu coração. Ele respirou uma vez profundamente e começou a rir.

“Tente se acalmar, meu velho...”, repetiu para si mesmo. “Você vai conseguir sair dessa sem um arranhão. Pode acreditar...”

Mais calmo, jogou a sacola sobre a mesa e a abriu para contemplar o tesouro com o qual sonhara durante tanto tempo. Antes que tivesse concluído essa simples tarefa, no entanto, a luz se apagou com um estalo.

Zé Maria olhou instintivamente para cima, na escuridão que se instalou. Então ouviu um som metálico vindo de fora do prédio. Como se alguma coisa tivesse arrancado a porta de entrada com força descomunal. Então um rugido inumano soou. Como o som de um leão em busca de sua presa.

Zé Maria agarrou a arma e mirou para entrada. Podia ouvir passos pesados na escada. Tão altos quanto as batidas do próprio coração, que ameaçava saltar do peito com a antecipação do confronto. Gotas de suor corriam sobre o rosto. Respirava com dificuldade.

Então os passos pararam. A poucos metros da porta. Zé Maria engatilhou a arma, preparado para acertar o que quer que entrasse no quarto. Os segundos se arrastavam sem que nada acontecesse. Por um momento, o bandido questionou a própria sanidade. Teria imaginado todos aqueles sons?

A porta se partiu em pedaços diante de um impacto destruidor.

“AAAHHHHHH”, gritou Zé Maria desesperado.

Seus dedos tomaram vida própria e puxaram o gatilho várias vezes. O clarão do revólver iluminou momentaneamente o pequeno quarto. O que Zé Maria viu naquele breve instante de clareza serviu apenas para estilhaçar o que restava da sanidade do bandido. Um tigre, pensou frebrilmente. Vou ser morto por um tigre!

Zé Maria apertou o gatilho até as balas acabarem. Não sabia se tinha acertado o animal ou não. Se jogou atrás de um sofá na esperança de escapar das garras da fera. Respirava com dificuldade. Todos seus sentidos pareciam despertos, especialmente a audição. Tentava ouvir qualquer movimento do inimigo que espreitava a escuridão. Mas só escutava os sons da noite do lado de fora do prédio e um mosquito a zanzar sem destino. Decidiu recarregar a arma.

Colocou a mão nos bolsos e amaldiçoou o som metálico de balas batendo levemente uma contra a outra. Então escutou uma risadinha que o deixou ainda mais assustado. Nenhum animal seria capaz de produzir um som como aquele.

“Q-qu... Quem está aí?”, exigiu.

Sem resposta. Zé Maria colocou a primeira bala no tambor do revólver.

“Olha, eu estou armado. Mas não tem motivo para a gente se matar por conta de nada. Tem uma fortuna em cima da mesa. A gente pode dividir e cada um seguir o seu caminho, o que acha?”

Silêncio.

“É tarde demais para isso, traidor!”, rosnou uma voz poderosa e ao mesmo tempo familiar.
Estaria sua mente lhe pregando truques?

“J-João?”, perguntou Zé Maria. A segunda bala em posição. “V-você tá vivo? C-co... como?”
Sem resposta.

Zé Maria decidiu terminar de uma vez o que estava fazendo. Não podia ser João. João estava morto. Ele tinha garantido isso. Mas e o tigre? Teria acertado o animal? Não podia mais escutá-lo, então era possível que ao menos uma ameaça tivesse sido eliminada. Tudo que precisava fazer era matar o sujeito que estava escondido em algum lugar próximo.

A arma estava recarregada. Zé Maria fechou o tambor e a engatilhou. Se sentia um pouco mais seguro. Ao se mexer, bateu em algo que rolou na escuridão. Com a mão livre, procurou pelo objeto e logo percebeu o que era. Uma lanterna. Talvez nem tudo estivesse perdido.

“Última chance, cara! A gente divide a grana e vaza! É pegar ou largar!”

“Sem acordos!”, respondeu a mesma voz no canto esquerdo do quarto.

Zé Maria se levantou e atirou duas vezes na direção do som.

A voz, apesar de rouca e mais grave, era de João. Não tinha dúvidas. No clarão da arma, pensou ter visto uma forma humana se mover rapidamente. Mas não podia ter certeza. O barulho dos tiros em um lugar tão fechado reverberava ameaçava estourar seus tímpanos. Teria acertado o inimigo? Após ficar alguns segundos parado, decidiu acender a lanterna.

“João?”, perguntou novamente.

Sem resposta. O facho de luz mostrou que os dois tiros disparados tinham acertado a parede. Não havia ninguém ali. Mas percebeu um vulto do lado direito e se virou naquela direção. Então a arma e a lanterna foram arrancadas de sua mão por um golpe poderoso.

Zé Maria gritou de dor. Suas mãos tinham sido cortadas por algo afiado.

A lanterna caiu no chão e virou várias vezes, parando com o facho apontado para Zé Maria e seu atacante. Só então o bandido pôde ver o terror que o ameaçava. Ele sentiu tudo desabar dentro de sua mente. Não conseguiu nem gritar.

“Não me chame de João, seu verme!”, rosnou a enorme criatura agarrando-o pela gola da camisa. “Para escória como você, eu sou e sempre serei o Gatuno! E vou garantir que você não se esqueça disso!”

A criatura com rosto de tigre e poderosos músculos levantou a mão livre acima da própria cabeça. Garras manchadas de sangue brilharam na luz da lanterna. As pupilas de Zé Maria se dilataram.

Do lado de fora, gritos aterradores preencheram a madrugada por instantes que pareceram intermináveis. Então o silêncio reinou sobre a noite. Até que uma criatura meio humana meio felina saiu do prédio abandonado com uma sacola a tira-colo. A monstruosidade colocou a mão no pescoço e tirou o que parecia ser um colar. Imediatamente, suas formas mudaram e, onde antes havia um monstro, agora caminhava um homem. Um homem que carregava o peso de uma vida no ombro esquerdo.

Epílogo

Dia seguinte.

João observava o nascer do sol sobre a ponte da Alvorada. Os raios refletiam sobre a superfície das águas do Lago Serafim afastando os horrores e loucuras de uma noite longa demais. Ele poderia até acreditar que nada do que passou fosse real. Apenas um pesadelo mais claro que o comum. Não fosse pelo objeto que carregava nas mãos e a sacola no porta-malas do monza preto que dirigia.

Deusas egípcias me deram uma segunda chance, pensou com amargor. E usei isso para manchar minhas mãos de sangue. O que fiz com Zé Maria... não deve se repetir. Nunca mais. Lamento, mas não serei um avatar dos deuses na Terra.

A mão de João se fechou sobre o amuleto que carregava. Sem pensar duas vezes, usou toda a força que tinha para arremessar o objeto o mais longe possível. A peça voou rumo ao sol antes de descer em um longo arco até atingir as águas escuras do lago.

“Pronto”, disse João para ninguém em especial. “Que essa maldição não recaia sobre os ombros de nenhum outro pobre coitado...”

João entrou no carro e ligou o som. Uma música triste e melancólica saiu das caixas de som. Ele deu partida e acelerou, querendo deixar para trás todas as memórias da noite anterior.
Enquanto isso, o amuleto chegava ao fundo do lago, onde parou. A peça brilhou intensamente por um segundo. Então as águas se revolveram, agitando as algas e, quando pararam, o amuleto não estava mais lá.

Fim do episódio

E assim chegamos à conclusão da primeira aventura do Gatuno! Espero que todos os leitores que acompanharam a história até aqui tenham se entretido com leitura tanto quanto eu me diverti na construção da história! Aviso também que a diversão não acaba por aqui! Na semana que vem, inicio uma nova história intitulada “Como cães e gatos”, que dão continuidade direta aos eventos relatados na Marca do Gatuno! E não vou parar por aí! Tenho material preparado para abastecer esse blog durante um bom tempo! Então, obrigado a todos por acompanharem o blog, e nos vemos novamente em uma semana! Ciao!

Um comentário:

Anônimo disse...

Sexta feira 22:24 e nada de cães e gatos. CADÊ?????