quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O roubo do livro dos Segredos - 2

2: Infiltração

Um casarão de madeira saído de um filme de terror estava localizado no morro acima do antigo cemitério de Ilumina. A construção tinha ao menos cinco andares e uma torre, onde estava a única luz visível da residência. Era noite de lua cheia, mas nuvens negras cobriam o céu e o vento soprava lamentoso por entre as lápides.

João estudou o local de cima do muro do cemitério. Se não fosse pela luz tremulante na torre, a casa pareceria completamente abandonada. Ele gostaria de mais tempo para bolar um plano consistente de roubo. Mas o Colecionador não lhe dera muitas opções. O melhor era acabar com aquilo de uma vez.

João saltou o muro e começou a andar furtivamente quando sentiu um puxão no braço. Olhou para cima do muro. Zé Maria ainda estava empoleirado ali com a mão esticada na direção de João. Os braceletes dourados que eles usavam nos pulsos ligavam os dois com uma corrente invisível e intangível. Cortesia do Colecionador.

“O que você pensa que está fazendo?”, sussurrou João nervosamente. “A gente precisa entrar no casarão antes que alguém nos veja aqui do lado de fora! Vamos!”

Zé Maria balançou a cabeça coberta de faixas negativamente.

“De jeito nenhum que eu entro numa casa mal assombrada dessas! Esse lugar todo cheira à morte!”

“Estamos do lado de um cemitério! É claro que esse lugar cheira à morte!”

“Quero ir embora...”, suplicou Zé Maria.

“Bom, você devia ter pensado nisso antes de me matar na casa daquele doido e dar início a toda essa loucura! Agora, vamos!”

João puxou a corrente invisível e Zé Maria perdeu o equilíbrio, caindo sobre um arbusto. Ele gemeu de dor e parecia estar à beira de um ataque histérico. Apesar de tudo, João sentia pena do colega porque sabia que ele não tinha a menor vocação para bandido. Não passava de uma alma confusa e perdida.

“Vamos”, incentivou João ajudando-o a se levantar. “Quanto mais rápido pegarmos aquele livro, mais rápido nos livraremos de toda essa maluquice!”

“Ainda acho que isso tudo é uma má idéia...”

“Claro que é, mas a não ser que você prefira passar o resto da vida a menos de três metros de mim, acho que não temos muita opção, não é mesmo?”

Zé Maria coçou o bracelete dourado. Os dois sabiam que não havia meios comuns para retirá-los. Estavam unidos pela magia. E só a magia poderia libertá-los novamente. E, para que isso acontecesse, tinham que levar algo chamado o livro dos Segredos de volta para o Colecionador.

“Acho que não...”, respondeu Zé Maria a contragosto. “Mas como vamos fazer isso?”

“Apenas me siga e tente não fazer nenhum barulho”, orientou João.

A dupla se colocou em movimento e atravessou rapidamente o descampado até o casarão, parando debaixo de uma janela lateral. João sinalizou para que Zé Maria fizesse silêncio e se levantou devagar. Com o canto do rosto, espiou pelos vidros escuros o interior da residência. Por um segundo, desejou ter junto de si o amuleto do Gatuno para enxergar melhor. Mas esperava não precisar dele para fazer o trabalho. O local parecia deserto.

João retirou um canivete do bolso e forçou a tranca. Conseguiu quebrá-la quase sem fazer barulho. Em seguida, abriu lentamente a janela e entrou no aposento, que cheirava a mofo. Olhou ao redor. Nenhum movimento. Sinalizou para Zé Maria para que também entrasse. Segundo as orientações do Colecionador, o livro dos Segredos estaria em uma estante no terceiro andar da casa. Tudo que precisavam era chegar até lá sem chamar atenção e sair de fininho com o objeto nas mãos.

João ficou parado até que sua visão se acostumasse com a escuridão do casarão. O serviço parecia simples o suficiente. A casa não tinha alarmes nem outras medidas de segurança visíveis. Mas bastava que um deles esbarra-se em um vaso para que tudo fosse por água abaixo. Além disso, existe sempre a possibilidade de fantasmas guardarem esse lugar, pensou João se lembrando da casa do Colecionador. Ou alguma coisa ainda mais sinistra...

João afastou os pensamentos derrotistas e se virou para Zé Maria.

“Você consegue enxergar as formas que nos cercam? Consegue caminhar sem esbarrar em nada?”

“Posso tentar”, respondeu Zé Maria.

“Você vai ter que fazer melhor do que isso se quiser sair daqui com vida!”

Zé Maria soltou um gemido assustado. João suspirou.

“Apenas me siga...”

Os dois andavam devagar e sem pressa. Demorou um pouco até que João encontrasse a escada de acesso para os andares superiores. Quando a achou, se perguntou como não deduziu que ela também era a forma de acesso para a torre. Eles subiram os degraus em espiral, iluminados pela luz da lua que atravessava pequenas janelas gradeadas.

As escadas eram um pouco mais iluminadas do que o restante da casa. Mas não havia nada tranqüilizante para se ver por ali. Apenas quadros com rostos mumificados e entediados, além de teias de aranha por todos os lados. Alguns degraus rangiam levemente sob o peso dos bandidos. Nesses momentos, João parava e olhava para cima, tenso. Só depois de perceber que nenhum alarme tinha disparado, fazia sinal para Zé Maria continuar o percurso.

A subida pareceu durar uma eternidade, embora na realidade não deva ter levado mais do que alguns minutos. A escuridão dominava o terceiro andar e, por mais que João tentasse, não conseguia enxergar mais do que uns poucos palmos à frente. Ele percebeu que as janelas ali deviam estar bloqueadas e decidiu arriscar a sorte. Riscou um fósforo, que brilhou intensamente no ar parado da casa.

“O que você está fazendo?”, perguntou Zé Maria preocupado.

“Relaxe”, respondeu João estudando o ambiente à luz fraca do fósforo. “Estamos sozinhos aqui...”

Logo, viu um candelabro e acendeu uma vela. Como tinha suposto, todas as salas no pavimento estavam fechadas por cortinas espessas. A luz fraca da vela não atrairia atenção de ninguém que observasse a casa do lado de fora da residência. Os dois caminharam em silêncio até se depararem com uma enorme estante com centenas de livros. Por meia hora, eles procuraram o volume pedido pelo Colecionador em vão. Estavam a ponto de desistir quando os olhos de João viram um livro gigantesco largado sobre uma mesa no corredor.

Uma força invisível parecia emanar do volume. João se aproximou e pegou-o nas mãos. Era pesado. Tentou abri-lo e percebeu que estava lacrado. Olhou na lateral e leu o nome da edição. Sorriu. Tinha encontrado o livro dos Segredos. Se virou para o colega.

“Zé Maria”, chamou o bandido que forçava a vista para ler o título dos livros.

Zé Maria se virou. João levantou o livro. O colega respirou aliviado e caminhou apressado para as escadas.

“Vamos então”, apressou-se Zé Maria. “Não temos tempo a perder!”

“Cuidado”, tentou alertar João.

Mas era tarde demais. Zé Maria esbarrou em uma mesa e derrubou um abajur em forma de bola, que rolou sem controle pelo chão até a escada em espiral. A peça caiu em uma cacofonia interminável até o primeiro andar do casarão. Nem João nem Zé Maria conseguiam se mexer. Se a casa tivesse alguma medida de segurança, ela com certeza tinha sido acionada após todo barulho que fizeram.

Os dois ficaram em silêncio. Não ouviram nada durante um longo tempo. Então João deu um tapa na nuca de Zé Maria.

“Seu idiota”, sussurrou nervoso. “Quer colocar tudo a perder?”

Zé Maria não teve tempo de responder. Um sibilo semelhante ao de uma cobra chegou até os dois. João se virou para o corredor. Uma criatura aparentemente feita de fumaça fosforescente em forma humana espreitava os corredores. Zé Maria gritou de medo, atraindo a atenção do ser sobrenatural.

Antes que João pudesse fazer algo para conter o colega, ele tinha partido em disparada para outra sala. Tinha esquecido completamente das algemas mágicas que usava. João a puxou e Zé Maria foi puxado para o lado, batendo o rosto em uma parede e caindo desmaiado no chão. João tentou levantar o colega, mas era tarde demais. Olhos cintilantes brilharam na escuridão e tentáculos de fumaça envolveram João. Tudo estava perdido.

A seguir: Capturados, João e Zé Maria enfrentarão um poderoso mago, ansioso por saber o motivo da invasão ao seu casarão! João precisará usar métodos pouco convencionais para escapar da morte certa! Em uma semana!

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