sexta-feira, 6 de março de 2009

O retorno da magia - 2

2: Armadilha

O Corvo Negro respirava com dificuldades. Tinha voltado à forma humana após se afastar do inferno que o calabouço virou. Estava cansado e enfraquecido devido ao gasto excessivo de poderes para transformação em pássaro e para animar os esqueletos. Ainda assim, escutava os sons de batalha abaixo.

Os soldados desmortos não passavam de um incômodo para a criatura felina que entrou em seus domínios. Precisava de algo mais para detê-la. E o velho poder tocava seu peito novamente. Só não tinha poder suficiente para enfrentar inimigo tão feroz. Restava apenas uma opção para vencer a batalha. Uma opção profana e arriscada que resultaria em mais um gasto monumental de poder.

O velho grunhiu e pegou um frasco com um líquido rubro que carregava amarrado ao pescoço, como um colar. Era hora de invocar alguns demônios.

Nisso, a fumaça fez com que Zé Maria tossisse, despertando de um breve período de inconsciência. Sentia vontade de vomitar e estava com náuseas. Por um instante, pensou que iria morrer e teve medo. Então abriu os olhos e desejou a morte com cada fibra de seu ser. O fim de tudo seria melhor que aquela loucura.

O homem-tigre havia retornado. Muito mais forte, feroz e maior do que antes. E ele estava a estraçalhar esqueletos animados com presas e garras. Demorou um pouco para Zé Maria se lembrar da transformação de João e dos eventos que o levaram até ali. Mas nada disso importava. Ele continuava preso, as paredes estavam em chamas e esqueletos empunhavam armas medievais ao seu redor tentando matar uma criatura saída dos pesadelos mais medonhos.

Então, a plataforma onde Zé Maria estava tremeu. O prisioneiro olhou para cima. Um dos esqueletos de olhos vazios o encarava, com um machado em uma das mãos. Apesar de não possuir lábios, Zé Maria tinha certeza que o desmorto sorria. Ele gritou em desespero.

Gatuno parou por um segundo e olhou para o prisioneiro. Em seguida, arrancou a cabeça de um atacante e a lançou contra o esqueleto que ameaçava Zé Maria. A força do impacto despedaçou as costelas da criatura e fez com que caísse no chão, se desfazendo em centenas de pedaços.

Gatuno logo destruiu os últimos atacantes e se voltou para Zé Maria.

“J-João?”, perguntou o homem com cara de múmia.

“Gatuno!”, corrigiu a criatura. “Achei que tinha te mandado sair da cidade!”

“Por favor, não me mate!”

“Pare de chorar, verme”, ordenou Gatuno arrancando os grilhões que prendiam Zé Maria. “O fogo está aumentando e o bruxo fugiu. Temos que encontrá-lo!”

“Por quê?”

“Ele levou o livro!”

“Esqueça o livro, cara. Estamos soltos! Vamos embora desse lugar antes que algum monstro pule das trevas e consiga nos matar de uma vez!”

Gatuno agarrou Zé Maria pela gola da camisa e o aproximou de si próprio, ameaçadoramente.

“Não pense que, porque o poupei, nutro alguma simpatia por você! A verdade é que minhas garras não merecem se sujar com o seu sangue covarde! Nós vamos atrás do bruxo!”

“Tu-tudo bem! Você que manda, cara...”

Gatuno jogou Zé Maria para frente e fez sinal para que saísse do calabouço na frente. Vigas começavam a cair corroídas pelo fogo, o que significa que a ordem foi aceita sem nenhuma dificuldade. Antes de deixar o calabouço, Gatuno agarrou uma tocha.

“Para que isso?”

“O velho disse que esse é o seu lugar de poder”, respondeu Gatuno. “Quero ver que poder vai sobrar quando eu reduzir esse lugar a cinzas...”

Zé Maria se calou. Não parecia ter restado nada de João na criatura o ultrapassou e agora andava à sua frente. Diferente de antes, ele parecia mais frio e poderoso. Zé Maria se perguntou que mudanças teriam ocorrido para ele ficar daquela maneira e sentiu um calafrio. Era melhor não saber.

Os dois subiram pelas escadas até o térreo. Gatuno farejava o ar e parecia estar seguindo uma trilha invisível. Zé Maria tinha dificuldade em acompanhar os movimentos rápidos do colega. A dupla se embranhou por um corredor escuro até que Gatuno fez sinal para que parassem.

“O que foi?”, sussurrou Zé Maria.

“Ele está lá”, apontou Gatuno e ficou quieto.

Não dava para ver nada adiante. A escuridão era absoluta. Mas, pelo que Zé Maria podia compreender, o bruxo tinha sido encurralado e aguardava um ataque. Certamente enfraquecido. Não havia sinais de demônios ou fantasmas de fumaça. Ainda assim, uma sensação pairava no ar. Uma tensão elétrica.

“BRUXO!”, gritou Gatuno. “ACABOU O JOGO! ME ENTREGUE O LIVRO E TALVEZ VOCÊ SAIA DAQUI COM VIDA! NÃO TESTE MINHA PACIÊNCIA!”

Silêncio. Então um riso baixo e irônico se levantou da escuridão. Uma pequena luz apareceu e, na frente dela, estava o Corvo Negro, com as costas curvadas e apoiado em uma bengala rústica. O livro de segredos abraçado em um dos braços finos. Parecia fraco e vencido. Ainda assim, seu olhar escondia algo. Um último triunfo.

Gatuno se colocou em posição de ataque. Os pêlos das costas eriçaram. O velho não disse nada. Simplesmente largou a bengala, moveu o braço e fez um gesto veloz com os dedos magros. Um vento passou pelos dois e uma porta se abriu ao lado deles.

“Mas o quê?”, perguntou Zé Maria antes de se calar de terror.

Da porta aberta, ele teve uma visão do inferno. Areias vermelhas com chamas a queimarem no horizonte, repleto de homens, mulheres e crianças crucificadas. Demônios imensos se moviam pela planície, pisando em cabeças de humanos enterrados pelo chão. Os gritos eram excruciantes. Então, um dos demônios viu o portal. E uma parte do inferno decidiu que Gatuno e Zé Maria deviam lhe fazer companhia.

A seguir: Para vencer o Corvo Negro, Gatuno precisará enfrentar as forças do próprio inferno! Conseguirá o bandido roubar o livro dos Segredos? Melhor: Conseguirá ele escapar da casa do bruxo com a própria vida? Confira no próximo capítulo das aventuras de Gatuno em uma semana!

Nenhum comentário: