sexta-feira, 13 de março de 2009

O retorno da magia - 4

3: Portal para o inferno

Gatuno hesitou por um instante diante do horror do inferno. Os gritos de dor e de pânico penetraram seu cérebro como agulhas quentes. A visão das hordas demoníacas a dilacerar e devorar seres humanos lhe queimaram a vista. O cheiro putrefato dos mortos e do enxofre lhe causou náuseas profundas.

Demorou apenas um instante. Mas foi o suficiente para que um demônio tomasse proveito da situação.

Tentáculos longos e pegajosos saltaram do portal e agarraram Gatuno pela perna direita, cintura e pescoço. Em seguida, os músculos dos tentáculos apertaram e começaram a puxar. Gatuno resistiu. Largou a tocha que carregava e usou as garras com eficiência. Cortou dois tentáculos e o terceiro se retraiu, desencorajado.

Zé Maria estava encolhido em um canto. Ele chorava e não conseguia tirar os olhos do horror do outro lado da porta. Gatuno não lhe deu importância. Ele saltou para tentar fechar a porta.

Não conseguiu. Outro demônio o atacou. Um chicote de fogo o puxou pela perna esquerda e fez com que perdesse o equilíbrio. Pela primeira vez, Gatuno caiu. O chicote puxou, mas as garras do homem tigre se cravaram no assoalho de madeira. Outros demônios se aproximavam, assim como a furiosa criatura dos tentáculos. Se não pensasse em algo logo, estaria perdido para sempre.

Ele olhou para o Corvo Negro, parado no final do corredor. O mago sorria. Mas também parecia extremamente concentrado. Tão concentrado que não arriscava fazer uma bravata sequer. O suor corria pela testa do velho, que movia os lábios rapidamente e sem parar.

A compreensão veio para Gatuno. Era a magia dele que mantinha o portal para as regiões malditas abertas. Tudo que precisava fazer para se livrar dos demônios era quebrar a concentração do mago.

Infelizmente, não estava em condições de fazer nada contra o Corvo Negro. O chicote de um demônio o prendia. Gatuno usou as garras do pé direito para cortar o laço de fogo. A dor corria por suas pernas, mas, mesmo assim, conseguiu saltar para dentro da casa novamente.

Ele se preparou para saltar. Iria atacar o mago e acabar com o feitiço. Mas a criatura dos tentáculos voltou e o envolveu completamente. Um puxão quase levou Gatuno para o outro lado. O homem-tigre usava todas as forças para permanecer na dimensão terrestre. Ele segurava no batente da porta em ambos os lados.

Mas já podia ouvir o som de tambores de pele humana ecoar no inferno assim como os risos dos demônios, a incentivarem a criatura de tentáculos a concluir o ataque. A monstruosidade puxou novamente. O batente da porta rangeu. Gatuno era forte o suficiente para agüentar a força demoníaca. Mas o mesmo não podia ser dito da infra-estrutura do casarão onde estava. O batente iria ceder. Era apenas uma questão de tempo.

Então, Gatuno viu a tocha caída no assoalho. O fogo a enegrecer um pequena parte do chão de madeira. E Zé Maria agachado, com as mãos sobre os olhos, assistindo a tudo pelas frestas entre os dedos.

“ZÉ MARIA!”, gritou Gatuno com todas as forças. “SEU SACO IMPRESTÁVEL DE CARNE! ACORDE E FAÇA ALGO DE ÚTIL!”

Zé Maria levantou a cabeça, como se tivesse acabado de sair de um transe. Os tentáculos da criatura puxaram uma vez mais. O batente do lado direito cedeu e Gatuno ficou seguro na terra apenas pelo braço esquerdo. Os demônios gritaram em comemoração. Faltava pouco.

“O MAGO!”, lembrou Gatuno conseguindo cravar as garras no assoalho do casarão, com um novo e pouco confiável apoio na dimensão terrestre. “ACABE COM ELE ANTES QUE ESSES DEMÔNIOS NOS LEVEM!”

Zé Maria olhou para o Corvo Negro, que o encarava desafiadoramente em silêncio. Ele balançou a cabeça negativamente.

“Eu não posso... poderoso demais...”, tentou explicar.

“A TOCHA, SEU VERME! A TOCHA!”

Zé Maria olhou para o objeto caído no chão como se nunca tivesse visto nada igual antes. Ele a pegou e olhou de volta para Gatuno, que soltou um rugido de frustração. A criatura puxou novamente e o assoalho cedeu. Mais gritos de comemoração demoníaca.

Furioso, Gatuno se virou e, com a mão direita, cortou dois tentáculos enquanto mordeu um terceiro. A criatura uivou e seu abraço mortal enfraqueceu por um instante. Gatuno aproveitou para entrar um pouco mais no velho casarão. Só que a criatura continuou a segurá-lo pelas pernas. O aperto estava ainda mais forte e ela não parava de puxá-lo.

“JOGUE A TOCHA NO VELHO! DEIXE-O QUEIMAR!”, orientou Gatuno.

Zé Maria finalmente entendeu. Ele se virou para o Corvo Negro, que pareceu alerta pela primeira vez desde que as portas para o inferno se abriram. Ele quase parou de recitar o encantamento do portal para conjurar outro ataque. Mas, antes que pudesse pensar em alguma coisa, a tocha estava no ar.

O objeto atravessou a escuridão e atingiu o manto velho e sujo que o bruxo usava. Em um minuto, a roupa estava totalmente em chamas e o Corvo Negro uivava de dor.

Ao mesmo tempo, os tentáculos da criatura perderam a força, ficaram menos reais. Gatuno aproveitou para se livrar do demônio de uma vez, com chutes e golpes rápidos de garras, e retornar para o mundo dos vivos.

O bruxo tinha virado um corvo de verdade novamente e voava com as asas chamuscadas para longe dos dois. O livro dos segredos tinha caído ao lado do manto em chamas.

Gatuno respirou, aliviado. Tinha algumas queimaduras, o pêlo estava um pouco chamuscado e alguns músculos doíam. Mas estava vivo e tinha ganhado a batalha. Ele colocou a mão nos ombros do homem com cara de múmia.

“Bom trabalho”, disse.

Zé Maria sorriu. E então tudo virou de cabeça para baixo novamente.

Tentáculos furiosos e quase invisíveis bateram em Gatuno e o lançaram longe. O portal para o inferno ainda não estava totalmente fechado. Outros tentáculos agarraram Zé Maria.

“NÃO!”, gritou Gatuno.

Os tentáculos puxaram Zé Maria que, sem as forças e as garras de Gatuno, não ofereceu menor resistência ao ataque. Gatuno saltou na direção do colega, que tinha as mãos esticadas em busca da salvação e uma súplica silenciosa nos olhos. Novamente, era tarde demais. O portal se fechou após a passagem do homem com cara de múmia e tudo que Gatuno conseguiu foi aterrissar de cara em um quarto vazio e escuro. Os demônios tinham levado Zé Maria para o inferno.

A seguir: Gatuno venceu a luta contra o Corvo Negro, mas não sem pagar um preço alto pela vitória! Ele conquistou o livro dos segredos e tem negócios a acertar com o homem que o forçou a roubá-lo! Mas que chances têm o Colecionador agora que Gatuno encontrou seu verdadeiro caminho? Confira em uma semana!

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