quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A marca do Gatuno - 4

4: O reino dos mortos

Desespero. João encara o corpo sem vida em sua frente e sente como se estivesse dentro de um pesadelo. Afinal, é ele quem está caindo com três rombos no peito na grama.

Estou morto?, questiona-se. Não posso estar morto. Sou jovem demais para morrer!

“Ah, as famosas últimas palavras...”, comenta uma voz desconhecida no escuro. “Não importa quanto tempo passe, o disco nunca muda...”

“Hein?”, pergunta João se virando. Mas não há ninguém atrás dele. Ninguém além de um gato siamês que o olha com descaso. “Quem está aí? Que tipo de brincadeira é essa?”

O gato abre a boca. Por um segundo, João pensou que fosse miar. Mas o que fez em seguida deixou seus nervos à flor da pele (ou o mais próximo que um espírito desencarnado possa chegar a isso).

“Que foi? Ficou cego depois de morto?”, pergunta o gato.

O ladrão grita, assustado. “Você é um gato!”, acusa.

“E você é um espírito chato e sem graça! Sua mãe nunca te ensinou que é feio apontar para os outros?”

“O que está acontecendo?”

“Você morreu! Bem vindo ao pós-vida! Sou Bubastis!”

“João dos Santos”, responde o ladrão automaticamente olhando para o corpo morto. “Tem certeza que isso não é algum pesadelo maluco?”

“Absoluta!”

“Então... o que acontece agora?”

“Você tem uma moeda?”

“Como?”

“Uma moeda”, repete o gato.

“Não”, responde João. “Por quê?”

“Para pagar o barqueiro. Não importa, na verdade. Pelo que vejo, você tem três opções. Primeiro, pode procurar pelo túnel de luz para abandonar o plano terreno e seguir para o desconhecido, destino de todas almas humanas no final de tudo. Segundo, pode permanecer nesse plano como uma forma desencarnada, assombrando velhos casarões ou esquinas movimentadas até, eventualmente, reencarnar. Ou pode me acompanhar e tomar a porta de número três.”

O gato aponta com o focinho para o vazio e João vê uma porta de madeira no meio do jardim. O número três gravado em sua superfície.

“E o que tem por trás da porta número três?”

O gato sorri com malícia. “Você não está morrendo de curiosidade?”

“Não. Eu já estou morto.”

“Oh. É mesmo! Hehehe.”

“O que tem atrás da maldita porta?”

“Qual o seu problema? Não tem senso de humor? Humanos! Vocês levam tudo a sério demais! Quer saber o que tem atrás da porta? Pois bem, lá está a sua chance de desfazer esse pequeno episódio inconveniente e retornar ao mundo dos vivos, se isso lhe interessa. Pessoalmente, acho que o mundo está melhor sem você. Quanto menos macacos pelados melhor. Essa é minha opinião.”

“Viver novamente?”

“Você é retardado? Será que preciso ficar repetindo tudo o tempo todo?”

“Mas tem alguma pegadinha, certo? Como vender minha alma ou coisa do tipo?”

“O que eu iria fazer com uma alma fedorenta que nem a sua? Já te falei qual é o negócio, se quiser viver novamente, só tem que me acompanhar e meus chefes irão lhe explicar os termos da sua ressurreição. Se achar que é uma má idéia, sinta-se livre para escolher entre os outros dois caminhos que lhe expliquei anteriormente. Então, o que vai ser? Vem comigo ou me deixa em paz e segue seu caminho para o desconhecido?”

João reflete sobre a questão por um minuto e logo percebe que não tem como deixar passar a oportunidade.

“Tudo bem, bichano. Vamos nessa.”

“O nome é Bubastis, sabichão, e é bom que você se lembre dele se quiser voltar à vida sem uns arranhões a mais, está me entendendo?”

A porta se abre e uma luz ofuscante escapa de dentro dela. João cobre os olhos. Sente medo por um segundo. E então segue o gato pelo estranho portal, que desaparece em seguida. Para trás, fica apenas um cadáver abandonado em um jardim silencioso.

Para João, no entanto, a jornada estava apenas começando. Por um momento, foi como se o tempo e o espaço o dobrassem em diversas direções ao mesmo tempo. Em seguida, a experiência passou e ele estava em um lugar diferente.

João estava de joelhos e podia sentir seu corpo novamente. Estava em um corredor iluminado por piras elevadas que emitiam luzes com vários espectros de cor. Ele olhou ao redor e ficou impressionado com o que viu. Paredes feitas com blocos de pedra sólidos e imensos. Blocos repletos de hieróglifos, com desenhos de criaturas inumanas com partes humanas e outras partes animais. Seus dedos correram sobre os desenhos, que pareciam passar uma mensagem antiga, ou mesmo divina...

“Você vai ficar aí parado, enrolando?”, perguntou Bubastis, impaciente. “Se já se acostumou com os efeitos colaterais da passagem, sugiro que sigamos em frente. Não temos tempo a perder.”

“Onde estamos?”, questionou João, se levantando.

“Em um lugar sagrado, além do espaço e do tempo. Na casa dos antigos.”

“E o que viemos fazer aqui?”

“Você tem uma audiência com a minha senhora. Ela o aguarda além daquela passagem. Lamento, mas só posso conduzi-lo até esse ponto. Você terá que fazer o restante do caminho sozinho.”

João olhou adiante. A passagem escurecia levemente mais para frente. Véus de seda bruxuleavam no fim do corredor, como portas para outro reino misterioso.

“Quem é sua senhora?”, perguntou João se voltando para Bubastis.

No entanto, o gato não estava mais lá. Sumiu em pleno ar, como se nunca tivesse existido. João engoliu em seco e seguiu em frente, cauteloso. Uma brisa leve partia da câmara adjacente. Ele pensou escutar sussurros amigáveis e sedutores escondidos nas dobras do vento.

Por um momento, sentiu um medo profundo do desconhecido. Olhou para trás e viu a porta que o tinha levado até aquele ponto. Ainda não era tarde demais para atravessá-la e voltar ao plano terreno. Mas, se fizesse isso, estaria definitivamente morto e ficaria sem saber como sua história poderia ter tido um fim diferente. Ele engoliu em seco e seguiu em frente. A curiosidade matou o gato, pensou enquanto atravessava os véus. Só espero que não me mate também. Pelo menos, não novamente...

No corredor, em frente à porta de retorno para Terra, estava Bubastis. O pequeno gato estava sentado com o olhar fixo nos véus que João acabava de atravessar. Ele observava e sorria. O rato caiu na armadilha.

A seguir: O espírito de João prossegue sua jornada pelo reino dos mortos, onde deuses antigos o aguardam! A origem de Gatuno continua em uma semana! Não perca!

5 comentários:

Anônimo disse...

"O rato caiu na armadilha"?!! Apesar de malandro, deu até pena do João.
O que vai acontecer? Se tornará, ele, prisioneiro???

Posta antes de sexta!!!! =)
Bjoo

Anônimo disse...

Ele vai entrar aonde? Numa tumba de faraó ????
Nao pode ser, um Joao ninguem,isto e profanação"!

Anônimo disse...

Interessante as estórias

Juliana Boechat disse...

seu blog foi indicado hoje pelo noblat! :)

Anônimo disse...

Dia de post!!!!
=D