quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A marca do Gatuno - 3

3: O amuleto

A morte se aproxima a cada lufada de ar que João inspira com dificuldade. Ele sente as forças se esvaírem cada vez mais rapidamente de seu corpo. Lembra-se da alegria que sentiu momentos antes como algo perdido no tempo. Como se anos tivessem passado desde aquele momento ao invés de poucos minutos. Mesmo assim, ele se concentra nas memórias e se afasta rapidamente do agonizante presente.

Começou logo depois que ele e Zé Maria venceram o primeiro obstáculo da empreitada: um muro de dois metros e meio de altura. Zé Maria precisou da ajuda do colega para escalar a parede. Mas João subiu com técnicas de Le Parkour, usando outra parede como apoio para saltos rápidos e precisos. Dentro do terreno, os dois se esconderam atrás de um arbusto. Zé Maria estava louco para falar alguma coisa, mas João ordenou que ficasse calado com um gesto.

O plano era relativamente simples. Os dois entrariam na casa pelo jardim, longe dos olhos de vizinhos curiosos, e se separariam dentro da casa. Zé Maria ficaria responsável pela vigilância da rua, em busca de sinais de perigo. E João se encarregaria de arrombar o cofre e pegar o dinheiro. Em seguida, informaria o colega do sucesso da missão. Zé Maria buscaria o carro de fuga enquanto João se encarregava de reunir as pilhas de dinheiro dentro de uma sacola esportiva. Simples.

Os dois atravessaram o jardim e pararam ao lado de uma janela. João usou um cortador de vidro para abri-la e a dupla entrou no casarão, onde imperava o silêncio. Zé Maria estava nervoso.

“Ok”, sussurrou João. “Vamos checar o equipamento...”

“Essa estátua me dá arrepios”, comentou Zé Maria olhando para o enorme sátiro no centro do casarão. “Parece viva...”

“Esqueça o raio da estátua, Zé. Teste o walkie-talkie.”

Zé Maria pegou o aparelho e o ligou. João fez o mesmo com o seu. Ambos estavam operantes e prontos para uso.

“Tudo bem”, disse João. “Para chegar na entrada da casa, você tem que pegar aquele corredor”, apontou. “Não use a lanterna ou algum vizinho pode perceber o movimento. Teremos que trabalhar no escuro. E, lembre-se, qualquer sinal de perigo, é só me avisar pelo rádio, beleza?”

“Beleza”, concordou Zé Maria, meio incerto.

João bateu no ombro do colega, como incentivo, e saiu apressado pelas escadas do casarão. Ele subiu silenciosamente e sem esbarrar em nenhum móvel da residência. Não teve problemas para encontrar a sala do cofre, onde tinha estado um dia antes. Ali, fechou as cortinas e acendeu a lanterna. Era hora de trabalhar.

Checou o cofre novamente. Era uma peça velha e corroída pelo tempo, com claros sinais de oxidação. A trava era inteiramente mecânica, o que facilitava ainda mais o trabalho. Retirou um estetoscópio da sacola e o encostou na porta metálica enquanto buscava pela combinação certa para abrir o cofre. Não demorou mais do que cinco minutos. Então escutou o barulho da trava se abrindo e seu coração se encheu de alegria. Abriu a porta de ferro.

Pilhas de dinheiro desfilaram diante dos olhos de João. Reais, dólares, euros e moedas que ele não conseguia sequer reconhecer. Sorriu de orelha a orelha. A fortuna era muito maior do que tinham estimado. Provavelmente, a sacola esportiva que carregava não daria conta de carregar nem metade do tesouro. Mas seria o suficiente para que ele e Zé Maria nunca mais precisassem trabalhar novamente.

João agarrou o walkie-talkie que carregava na cintura.

“Zé?”, chamou.

“Na escuta. Como estão as coisas?”

“Como férias nas Bahamas, colega! A grana é nossa!”

“Ótimo! Vamos dar o fora daqui então!”

“Estou terminando as coisas por aqui e já desço. Os drinques hoje são por minha conta. Câmbio e desligo.”

João guardou o walkie-talkie. Em seguida, encheu a sacola esportiva com todo dinheiro que conseguia carregar. Menos da metade do conteúdo total do cofre. Algo em torno de R$ 3 ou R$ 4 milhões, pelos cálculos do bandido. João fechou o cofre, a sacola, estudou o ambiente para se certificar que não estava esquecendo nada e começou o caminho de volta.

Mas parou diante de um salão com objetos estranhos. Lembrou do amuleto que lhe chamou atenção um dia antes. Que mal faria levá-lo também?

Deixou a sacola no chão e abriu a porta do salão. Imediatamente, todos os sons do mundo pareceram ser sugados para uma dimensão alternativa. Um silêncio sepulcral preenchia o recinto. Armaduras medievais posicionadas na entrada e nas paredes do salão davam ao lugar um ar de mistério. João não deu atenção a nada disso. Seus olhos estavam voltados para o amuleto verdejante que parecia brilhar fracamente na escuridão. Ele avançou.

João pegou a peça com uma reverência exagerada e a contemplou na escuridão. Era perfeita. Ele podia ver formas refletidas na superfície. Viu seu próprio rosto e, de repente, outra forma mais escura atrás dele.

Se virou por puro reflexo e o que viu em seguida quase o paralisou de medo. As armaduras da sala, tomadas de vida, avançavam para cima de João no mais completo silêncio.

A mais próxima estava a ponto de abatê-lo com uma enorme espada. Por pouco conseguiu evitar o golpe, que destruiu a peça onde antes se encontrava o amuleto. Mas a surpresa fez com que perdesse o equilíbrio e caísse de costas no chão, derrubando um monte de objetos misteriosos no caminho.

Nenhum barulho, pensou o jovem. Nada dentro dessa sala faz barulho.

A armadura silenciosa não parecia abalada com nada daquilo. Ela levantou a espada novamente e João percebeu que as outras armaduras estavam cada vez mais próximas. A mente do ladrão trabalhava a mil por hora, em busca de uma rota de fuga. Não havia nenhuma.

A espada do primeiro atacante desceu novamente. Instintivamente, João pegou uma caixa de ferro caída no chão e a usou como escudo. A arma atingiu o pequeno receptáculo com violência e partiu o lacre. João escutou o impacto. O primeiro som que escutava naquele salão de loucuras. E então uma explosão de som e luz tomou conta do ambiente.

Meio cego com o brilho, João se levantou e percebeu que as armaduras chacoalhavam, pegas de surpresa pela luz inesperada e a súbita invasão de som. Agora!, pensou João com lucidez.

Ele se levantou com um pulo e empurrou a armadura que o atacava para o lado. O inimigo se desmontou com o impacto. Outra armadura levantou lentamente um machado. Mas João já tinha passado por ela. Ele correu com nunca correu antes. Derrubou mais duas armaduras no caminho antes de alcançar a segurança do corredor.

Fechou a porta do salão com um estrondo e respirou ofegante enquanto buscava uma explicação racional para o que havia acabado de acontecer. O amuleto com rosto de gato, esquecido em seu punho fechado. Foi quando percebeu que não estava sozinho. Uma forma humana se aproximava na escuridão. João prendeu a respiração.

“João?”, perguntou Zé Maria, surgindo no corredor. “Está tudo bem, cara? O que aconteceu?”

João respirou aliviado.

“Temos que sair daqui o quanto antes, cara!”, respondeu João se aproximando da sacola de dinheiro. “Você não vai acreditar nas defesas que o dono maluco desse lugar tem...”, João parou subitamente, os olhos voltados para as mãos do colega. “Pensei que tinha deixado clara minha opinião quanto ao uso de armas...”

“O quê? Isso?”, perguntou Zé Maria como se tivesse acabado de perceber que estava carregando uma pistola. “Foi mal. Não queria te assustar. Não trouxe ela para o assalto...”

“Do que está falando?”, questionou João com cautela.

Zé Maria sorriu com desdém. “Você pensou mesmo que podia fazer o que quisesse nessa cidade que ia ficar tudo numa boa, não é mesmo?”

João se afastou da porta e da sacola de dinheiro. Entendia perfeitamente o que estava acontecendo e não gostava nem um pouco.

“Espera um minuto, Zé. Somos amigos. Não tem motivo para...”

“Cale a boca!”, interrompeu Zé Maria lhe apontando a arma. “Você não sabe como tem sido trabalhar com você! Não faz a menor idéia! Depois de todas as traições...”

“Traições? Como assim, cara? A gente não se vê há anos...”

“João dos Santos, o grande conquistador!”, interrompeu Zé Maria novamente com os olhos repletos de ódio e loucura. “É óbvio que você não lembra. Por que deveria? Eram apenas mulheres para você! Não passavam de aventuras de uma noite ou duas! Mas não era assim para mim! Eu amei cada uma delas e nunca tive uma chance sequer! Você sempre chegava nelas antes de mim! Parecia uma sombra a me assombrar! Foi um pouco por conta disso que me mudei para cá, para longe de você. Então conheci Anita, uma mulher maravilhosa por quem me apaixonei. Estava tudo indo bem. A gente se gostava e tal. E aí ela veio com um papo que nunca ia dar certo entre a gente. Que tinha encontrado outro cara.”

Tudo ficou claro de repente.

“Anita? Ela veio até mim, cara! Juro por Deus! Se eu soubesse que...”

“Cale a boca! Cale a boca!”, ordenou Zé Maria novamente. Ele parecia possuído. Com cólera. Os olhos brilhavam, ameaçadores. “Não estou interessado nas suas mentiras! Essa grana vai resolver a minha vida e não vou ter que pensar nesse dia nunca mais! Nem vou ter outra garota roubada por um traíra como você!”

Lágrimas rolavam dos olhos de Zé Maria. Mas não era tristeza, João percebeu. Era raiva. Raiva pura. Ele apontou a arma para o amigo com uma determinação assustadora.

“Zé!”, gritou João sem saber o que dizer.

Mas era tarde demais. O amigo puxou o gatilho três vezes. As balas explodiram no peito de João e o lançaram para trás. Até a vidraça e, de lá, até o jardim.

A mente de João retorna ao presente. O sangue escorre pelo canto da boca. Respirar é quase impossível. A dor já parece distante, como uma memória.

Então é assim que tudo acaba, pensa o bandido. Mas ainda é tão cedo...

E os pensamentos deixam de existir. A vida se esvai com um último expirar. O corpo de João jaz inerte no jardim do casarão. A mão do bandido se abre lentamente e o amuleto com rosto de gato parece brilhar por um segundo, antes de perder sua luz por completo.

E tudo muda novamente.

A seguir: O personagem principal morreu, mas a jornada do Gatuno está prestes a começar! Esteja aqui em uma semana para testemunhar os eventos que levarão ao nascimento de uma lenda! Em uma semana!

6 comentários:

Unknown disse...

está melhorando.

Anônimo disse...

Oi Pablo!!!
Legal seu blog!

Budo disse...

Diogo
É, tá ficando maneiro mesmo!
Abrss

Unknown disse...

Tô gostando de ver.
Lala Medeiros.
Bjks

manumaluca disse...

Muito muito bom. Escreve logo. Uma semana é muito tempo.

Manu Bon

manumaluca disse...

Muito muito bom mesmo. Posta logo o próximo!