sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A marca do Gatuno

1: A proposta

Meia-noite sobre a cidade de Ilumina, onde anjos e demônios se confundem.

O silêncio no quintal de um casarão misterioso na rua dos Barões do Cerrado é quebrado pelos disparos de uma arma de fogo. Três tiros e o som de uma vidraça sendo quebrada. João dos Santos atravessa a janela circular com uma expressão de dor e surpresa. Sangue escapa do peito em espirais escarlates. Ele cai três andares, de costas no chão. Ossos se partem com estalos nítidos e dolorosos. João cospe sangue.

Mesmo assim, um objeto redondo e frio permanece seguro em sua mão direita. Ele levanta o rosto, ainda em estado de choque, e observa o medalhão esverdeado que repousa entre os dedos. O medalhão com um rosto felino. Então as forças lhe abandonam e sua cabeça cai para trás. A morte se aproxima. Não era para ser dessa maneira, pensa João enquanto o mundo ao seu redor perde a nitidez pouco a pouco.

Este é João dos Santos em seus momentos finais na Terra. Enquanto as forças esvaem do corpo e o coração bate cada vez mais lentamente, sua mente retrocede no tempo e espaço em busca de respostas para o fim iminente.

No início, de forma selvagem e sem controle. Imagens desconexas de uma vida de dificuldades passam por sua cabeça. Uma vida sem muitos recursos, mas repleta de amigos e uma mãe carinhosa. Ele relembra os sorrisos de outrora. A infância no Rio de Janeiro. E a pedra motriz que o levou adiante a cada curva do destino: sua ambição e ousadia.

Também lembra da galera do mau e do mentor que o ensinou a roubar e aplicar golpes sem ter que recorrer à violência. Lembra dos primeiros sucessos como ladrão e das tentativas fracassadas que lhe renderam dores de cabeça com a lei. Lembra ainda da adolescência repleta de garotas e agitos bacanas. As longas noites de amor com mulheres fantásticas. Os jogos de futebol e as partidas de sinuca.

Mas, mais do que tudo, lembra das encrencas com um pessoal barra pesada. Das ameaças de morte e da mudança para Ilumina, em busca de um novo começo. Nada disso realmente importa. Sua mente se foca. E enfim lhe voltam os acontecimentos que o levaram àquela situação inescapável.

Dois dias antes. Bar Zona Proibida, no distrito dos Afogados. Um lugar freqüentado por bandidos, malandros e prostitutas desiludidas.

Um homem de roupas amorratadas, barba por fazer e olheiras profundas bebia uma garrafa de cachaça, sozinho em uma mesa nos fundos do bar. Seu nome era Zé Maria e ele era um amigo de infância de João. Um homem católico, trabalhador e que sempre procurou ser correto na maneira de agir. Se mudou para Ilumina ainda jovem, em busca de uma vida melhor que ainda o iludia.

“Zé Maria! Seu bastardinho! Como a vida tem te tratado, meu caro?”, perguntou João se aproximando da mesa.

O sorriso luminoso no rosto. Os cabelos rebeldes. As roupas da moda que usava. O jeito animado e cheio de vida. João era o retrato oposto de Zé Maria.

“João! Quanto tempo!”, cumprimentou Zé Maria com um sorriso exagerado. Mais formalidade do que alegria, na verdade. “É um prazer vê-lo novamente, cara! Só Deus sabe como senti sua falta!”

“Mesmo?”, perguntou João sentando-se na mesa. “Achei que não aprovava o modo como levo a vida...”

“Talvez. Mas sabe como é, o tempo tem um jeito esquisito de mudar a cabeça da gente...”

“Foi por isso que me ligou?”

“Sim. Tenho um trabalho em mente. Um trabalho que cairá como uma luva para alguém como você...”

“Zé, minha situação financeira não é das melhores, mas também não estou implorando serviço por aí. Você é um cara honesto, trabalhador. É meu amigo e eu não gostaria de estragar isso te levando para o meu mundo...”

“Olha, Jonhy, corta o papo furado, tá legal? Você sabe que eu não te pediria nada se não estivesse na pior. Quer dizer, aqui estou. Com três trabalhos para levar e uma infinidade de contas que mal dou conta de pagar. Vivo para servir e ser escorraçado enquanto os outros levam uma vida de luxos, sem se preocuparem com o amanhã. Cansei de migalhas, cara. E, se o trabalho que eu tenho em mente der certo, não terei que me preocupar com nada por muito tempo. É difícil entender isso?”

“Não. Nem um pouco. Só achei que devia te avisar do passo que está prestes a dar. Qual é o trabalho?”

Zé Maria sorriu novamente. Dessa vez, com mais sinceridade e até um pouco de malícia.

“Descobri o golpe perfeito. Uma casa, sem alarmes nem vigilância e com uma fortuna guardada em um cofre antigo, fácil de arrombar. Minha fonte me disse que ali pode ter, fácil, fácil, uns dois milhões de dólares. A solução para todos os nossos problemas. E, o que é melhor, o dono do lugar vai viajar no fim de semana, o que nos dá a chance de entrar no lugar e levar a grana sem que ninguém desconfie de nada. O que acha?”

João tomou um gole de cachaça, analisando a proposta. “Fácil demais. Qual a pegadinha?”

“Aí é que está a beleza da coisa. Não tem pegadinha! O dono do lugar é um ricaço excêntrico, com fama de bruxo. Os empregados têm medo dele. Acreditam que o cara tem poderes sobrenaturais. Ele vende antiguidades, entende? Bagulhos com supostas características mágicas. Um monte de bobagem, é claro. Mas que mantêm o criaredo em cheque.”

Particularmente, João não acreditava em fantasmas ou maldições. Deu um gole na cachaça e incentivou o amigo a continuar o relato: “Onde fica o lugar?”

“Na rua Barões do Cerrado. Um velho casarão, cheio de janelas. A loja de antiguidades fica no térreo. Os produtos são caros pra cacete. Só vai granfino ali.”

“Lugar chique. Quem é o seu informante?”

“Qual é? Acha que é algum tipo de armadilha? Somos amigos de infância, cara! O que eu teria a ganhar?”

“Você quer a minha ajuda?", perguntou João sem aguardar uma resposta. Estava tratando de negócios e não costumava brincar em serviço. Nem mesmo com velhos amigos. “Quem é o informante?”, insistiu.

“Um empregado do casarão”, respondeu Zé Maria a contragosto. “Toma umas e outra comigo de vez em quando. Me contou tudo outro dia, quando fui deixá-lo em casa. Estava podre de bêbado. E aí? Aceita trabalhar comigo?”

“Talvez. Vamos dar uma olhada no lugar primeiro.”

“Quando?”

“Amanhã de manhã. Mas, por enquanto, deixemos os negócios de lado. Me conte umas novidades, cara! Tem anos que a gente não se vê!”

Zé Maria riu e serviu-se de mais uma dose de cachaça. Os dois amigos ficaram horas no bar, relembrando velhas aventuras e tempos mais felizes. Nenhum deles seria capaz de prever a loucura que logo se apossaria de suas vidas...


A seguir: Planos para o grande roubo são traçados! Um amuleto misterioso chama a atenção de João! E um encontro inesperado com o dono da cobiçada fortuna pode por tudo a perder! Tudo isso no próximo episódio da origem de Gatuno! Não perca!

6 comentários:

Anônimo disse...

Boa história, bom texto e uma leitura deliciosa.
É certo que iremos querer mais e mais no decorrer das semanas...

Parabéns pela estréia e, não deixe de postar!!!!!!

Anônimo disse...

Dia mais que propício para estrear o primeiro capítulo de um mistério!
Gostei!

Sartaris disse...

Oba oba oba! Entretenimento de qualidade na rede! Vou divulgar para os amigos com certeza...

Agora, já não está na hora de postar de novo? Tô curiosa!!!!

Beijocas

Pablo Amaral Rebello disse...

Sexta-feira sai um novo capítulo!! Tem que ser um por semana ou logo logo eu fico sem material para postar por aqui!!Hehehehe
Abs

Mengaron disse...

Grande ABertura para sua história!!

Um personagem de infância, mas com um texto amadurecido!!

quero mais com certeza !

PArabéns.

Marcelo Saboia disse...

O suspense está lançado neste primeiro capítulo! Você ganhou mais um leitor!!! Estou curioso.